domingo, 27 de janeiro de 2008

DEDICATÓRIAS

Paulo de Almeida Ourives

“Eu sei, que nada sei” por isso em primeiro lugar quero agradecer a Deus, por tudo o que tem feito por mim.
Em segundo lugar aos meus pais, Paulo Ourives e Joerli de Almeida Ourives (in memorian), pelo legado.
Em terceiro lugar, ao professor e Mestre Orávio de Campos Soares, pela paciência.
E ao inesquecível professor e Mestre Andral Nunes Tavares (in memorian), pelas lições e ensinamentos.


Maria Lúcia Bittencourt da Fonseca

A Deus por proporcionar-me a conclusão de mais uma etapa da vida que se consuma neste trabalho.
As minhas filhas-amigas, Lara e Nathália que estão presentes em minha vida em todos os momentos me incentivando e acreditando nessa conquista.
Ao professor e Mestre Orávio de Campos Soares, por ter compartilhado as minhas expectativas e dificuldades com paciência, determinação e sabedoria, se fazendo sempre presente desde o início da minha trajetória universitária. O meu eterno agradecimento pelo convívio, pelo carinho e pela amizade.


Mayra Barros da Silva

Agradeço a Deus por ter permitido que eu materializasse um dos meus principais sonhos.
A meus pais, Nelma e Lindomar por ter me incentivado a todo o momento, com profundo respeito e amor filial.
A minha velha vó, Maria da Penha companheira de todas as horas, que tanto me orgulho como mulher, mãe e avó.
Ao meu marido, Anderson, sem ele não seria possível desenvolver com êxito, o projeto de trazer da dimensão invisível o anjo da minha vida, nosso filho Daniel, a fim de compartilhar conosco o privilégio da vida.
Aos meus tios Ricardo e Maurício que foram espelhos para o meu caráter.
Desejo também expressar o meu reconhecimento ao Mestre e professor Orávio de Campos Soares pela sua generosidade, diversos incentivos e ações para que este trabalho fosse concretizado e por ter me acompanhado desde o princípio da minha caminhada.
Como deixar de agradecer a todos os professores e funcionários do curso de Comunicação Social em especial ao professor Andral Nunes Tavares (in memorian) pelos seus inúmeros conselhos.
Aos meus familiares e amigos que compartilharam comigo as dificuldades e alegrias do meu dia-a-dia.

AGRADECIMENTO

Primeiramente a Deus que nos permitiu trilhar esse caminho.
Ao nosso amigo, orientador, professor e Mestre Orávio de Campos Soares que contribuiu na construção de nossa história pessoal, com sua dedicação, paciência, determinação, sabedoria, conhecimento sobre cultura popular.
Agradecemos ainda o seu comprometimento ético com a arte do saber. Sua colaboração incansável e incentivo foram fundamentais na concretização desse trabalho.
A professora Liliane Alves que se dispôs a corrigir nossa monografia. Nosso muito obrigado.
E a todos que colaboraram direta e indiretamente para a conclusão desse trabalho.

HOMENAGEM

Anthony Garotinho – ex-Prefeito e ex-Governador do Estado.
Antônio Roberto Góes Monteiro (Kapí) – Coordenador do Carnaval 2007.
Ariel Chacar – Presidente da AESC – Assoc. das Escolas de Samba de Campos.
Arturo Suescon – Artista colombiano.
Carlos Vasquez – Coordenador do Carnaval 2007.
Cidinho Ramos – Carnavalesco do Boi Sapatão.
Dalvino Costa – Compositor.
Davi Loureiro – Prefeito de São Fidélis.
Eleonora Souza – Artista campista.
Francisco Caldas Pereira – Pres. da Assoc. Campista de Compositores.
Geraldo Gomes (Geraldo Gamboa) – Compositor.
Geraldo Venâncio – Vereador.
Gilsiara Adriana – Princesa do Carnaval 2007.
Herbson Freitas – Presidente da Associação. de Imprensa Campista
Jaime Gabriel Nolasco Ribeiro – Presidente da GRES Ururau da Lapa
Jean Carlos – Príncipe do Carnaval 2007.
Jorge Ferreira Lobo – Homenageado pela GRES Os Independentes.
Jorginho do Império – Compositor e Puxador de Samba do Império Serrano-RJ.
Marcelo Sampaio – Professor de História.
Maria Cristina Torres Lima – Gerente de Cultura.
Nilson Maria – Presidente da Fundação Teatro Trianon.
Olavinho – Homenageado pelo Boi Sapatão.
Renata Cruz – Princesa do Carnaval 2007.
Ricardo Silva – Radialista e Diretor da U. B. S.
Roberto Barbosa – Secretário de Comunicação Social.
Roney Brandão – Carnavalesco.
Sergio Guzulo – Rei Momo 2007.
Vilmar Rangel – Relações Públicas.
Wallace De Oliveira – Radialista e Diretor da U. B. S.

RESUMO

Estudo sobre o uso do samba-enredo e das escolas de samba como marketing político no carnaval campista. Na realidade, as pesquisas indicam que, nos anos 60, o pioneiro dessa atividade foi o carnavalesco Benedito Caetano, que fez uma inusitada música para elogiar o político Carlos Ferreira Peçanha e outra para promover uma famosa marca de cachaça muito em voga na ocasião.
Contudo, só em 1998, tem início o processo de se promover políticos e funcionários destacados do governo – prefeitos, deputados, vereadores, chefes de setores da administração, governadores de Estado e etc. O ex-prefeito e ex-governador Anthony Garotinho, que bate os recordes de homenagens por parte das sociedades carnavalescas, foi o primeiro destaque por parte da Academia de Ritmos Amigos da Farra.
Depois, outras sociedades fizeram o mesmo e (hoje) os enredos históricos foram relegados a planos secundários, embora se saiba que o município é muito rico de lendas, mitos, folclores, representações simbólicas e há, em seu mural de saudades, personalidades importantes como Saldanha da Gama, José do Patrocínio, Múcio da Paixão, Viveiros de Vasconcelos, Gastão Machado e tantos outros que, pelos seus serviços prestados, bem que mereceriam uma homenagem por parte das escolas de samba.
O trabalho mostra, também, que até mesmo os homenageados se mostram contrários aos enredos com conotação política, como o próprio ex-governador Anthony Garotinho e há (até) pessoas não tanto expressivas que se acham, vaidosamente, merecedoras das homenagens e outras nem tanto. Alguns jornalistas e radialistas mostram-se, por outro lado, favoráveis “a liberdade de escolha dos temas por parte dos carnavalescos”.
Para reforçar o motivo que nos levou a estudar o assunto, o vereador Geraldo Venâncio entrou com indicação na Câmara Municipal, solicitando uma regulamentação que proíba o uso do samba pelo marketing político, ficando o assunto por conta de uma solução por parte da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima e o prefeito Alexandre Mocaiber, a quem caberá uma decisão final, que passe a vigorar no carnaval de 2008.
As pesquisas mostram, ainda, que o carnaval campista está decadente, registrando-se a ausência da classe média e a diminuição das classes mais baixas, isso para não contar com a briga de grupos que dominam o tráfico de drogas na cidade. O melhor indicativo, no entanto, é o de que, para salvar o carnaval, é preciso mudar.

01 - INTRODUÇÃO

Resolvemos escolher esse tema para desenvolver o nosso trabalho de conclusão de curso, tendo como objetivo legar um importante registro à posteridade sobre o momento que estamos vivenciando no carnaval da cidade de Campos dos Goytacazes, no norte fluminense, por constatar que a manifestação como arte, cultura e expressão popular vem mudando sua forma de produção, sofrendo a influência dos meios políticos e ideológicos, embora ocorram posições contrárias por parte de pessoas antenadas com os verdadeiros objetivos das festas que, originalmente, estavam muito mais ligadas à história do Brasil.
Por outro lado, há de se ressaltar que a verdadeira história do carnaval campista, em termos de contemporaneidade, encontra-se na memória de seus cultores e, na maioria das vezes, por questões políticas, não encontram meios de divulgação, permanecendo e encontrando-se somente na cabeça dos mais velhos. Dessa forma, nossa equipe, consciente de seu papel, abre perspectivas para que estas vozes possam ser registradas e que não se percam nos escaninhos do esquecimento.
A memória, que também pode ser vista como propriedade para conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas ou de que ele representa como passadas, como situa LE GOFF (2003, p. 419). Dessa forma, estamos cientes de que, com esta pesquisa, podemos juntar o passado e o presente na medida em que reconhecemos que a história é o registro dos eventos dos quais os homens são seus personagens principais.
Ao olharmos pelo retrovisor da história, embora sabendo que não temos o poder de restaurar todas suas nuances, mas apenas atualizar alguns fragmentos de fatos ocorridos nos últimos carnavais, percebemos que do final do século passado à hodiernidade as escolas de samba, por falta de recursos, têm cedido seus espaços para fazer sambas-enredos para políticos locais e até de outras cidades, sofrendo, por isso, certa descaracterização muito visível e que, de certa forma, partidariza suas atuações enquanto expressão popular que, em tese, deveriam se colocar fora dos liames dessa prática ideológica.
Verifica-se que os acontecimentos, ou as posturas de alguns dirigentes ferem os princípios da ética e queimam etapas de seu próprio desenvolvimento. VEYNE (1998, p.25) define que o campo da história é, pois, inteiramente indeterminado, com uma única exceção: “(...) que tudo o que nele se inclua tenha, realmente, acontecido (...)”. Nossa preocupação é fazer com que os fatos, ainda contidos na memória oral, sejam restauradores da própria história, inclusive abrindo chances para que as lacunas sejam devidamente preenchidas.
Numa cidade com cerca de meio milênio, cuja colonização ocorreu, segundo o escritor LAMEGO (1974, p. 90), a partir de 1536, com a instalação da Vila da Rainha e que tem vultos importantes no avir de sua história, como José do Patrocínio, a heroína Benta Pereira, Saldanha da Gama, Múcio da Paixão, Teixeira de Melo, Teófilo Guimarães e, na contemporaneidade, pessoas de expressão como Silvio Fontoura, Gastão Machado, Hervé Salgado Rodrigues, Joaquim d’Athayde e tantos mais, difícil é imaginar que a falta de criatividade leve os dirigentes das sociedades carnavalescas a optarem por enredos elevando os políticos que, em tese, não têm uma história de vida importante a ponto de ser retratada num desfile de carnaval.
O que pretendemos registrar, ainda, é que a imprensa tem sido omissa diante dos fatos, não tecendo nenhuma opinião crítica e, muito pelo contrário, corroborando as anomalias assumidas por alguns carnavalescos. Pensa-se que isso ocorre porque dois dos principais jornais – Folha da Manhã e O Diário - estão ligados a grupos políticos distintos, e cada um possui uma visão particular sobre o assunto. E o Monitor Campista, por seu turno, também não constrói as vias críticas necessárias em razão de ser o órgão oficial da municipalidade.
O interessante, porém, é se pensar sobre a temática, ainda com VEYNE (op. cit., p. 26), na medida em que as fontes consultadas estão vivas e participantes no processo do desenvolvimento do carnaval, enquanto cultura popular. O escritor interpreta e sabe que “(...) os povos ditos sem história são, simplesmente, povos cuja história se ignora, e que os primitivos têm um passado, como todo mundo (...)”. E podemos reafirmar nosso propósito de não permitir que essas condutas desabonadoras do próprio ritmo da história sejam inseridas no poço escuro da ignorância e que, no futuro, simplesmente, não existam.
Para alcançar os objetivos, tivemos que nos debruçar sobre livros, mergulhar nos documentos das associações carnavalescas, pesquisar em jornais de diferentes épocas, conversar com carnavalescos, dirigentes de escolas, blocos e grupos folclóricos, incluindo compositores de samba-enredo que, na realidade, cumprindo determinações dos chamados históricos, são os que criam as composições. Tivemos que, também, freqüentar as sedes e os lugares onde se reúnem os carnavalescos, como terreiros de ensaios, clubes, salões e, culminando, com o acompanhamento dos desfiles, neste carnaval de 2007, na iluminada avenida 15 de Novembro, espaço hoje considerado inadequado.
Começamos, acreditando nos resultados, com a idéia de que a história vive pela visão ingênua das coisas. Nosso pensamento se pontifica como sendo a do senso comum, porque bem sabemos, com VEYNE (op. cit., p. 174) que a história tem a faculdade de nos confundir porque nos confronta com reações naturais daqueles que não conseguem enxergar e nem perceber as inadequações relativas às singularidades. “(...) o enriquecimento secular do pensamento histórico se fez mediante uma luta contra nossa tendência natural de banalizar o passado (...)”.
O que não é nosso caso. Muito pelo contrário, queremos valorizar o passado pela sua importância com relação à contemporaneidade. Por isso, estudamos o que se pode considerar como deformado com relação ao desenrolar dos acontecimentos.
Segundo PACHECO (2006, p.91), nos ajuda a compreender a trama, quando afirma que “(...) a ideologia hegemônica, dominante e opressora que deveria ser rechaçada radicalmente pelos segmentos oprimidos – permeia suas culturas e consegue neutralizar conflitos e influenciar formas e conteúdos (...)”, como tem acontecido com o carnaval campista. Desse modo, não nos resta outra alternativa senão buscar o que está nas saliências e reentrâncias das práticas do carnaval em sua ludicidade e o que os jornais deixam de comentar por questões visivelmente ideológica.
Assim, podemos compreender que o discurso das classes dominantes não passa de uma ilusão de ótica com intenções claras de mimar o povo com pão e circo (o panni et circus dos romanos) enquanto se lhe configura uma interpretação completamente diferente, pois, segundo BENJAMIN (2001, p. 9), a “(...) na esteira do aparecimento, pela primeira vez sob forma palpável, do invariavelmente-sempre-igual, a novidade do produto adquire uma importância até então inaudita, como estímulo à demanda (...) e é sua projeção, como forma de consciência histórica, que cria no tempo homogêneo e vazio do historicismo, em que os eventos históricos aparecem como artigos produzidos em massa.
Partindo desse pressuposto, compreendemos quando FOULCAULT (1998, p. 252) diz:

(...) vocês podem continuar a explicar a história como sempre o fizeram. Somente, atenção: se observarem com exatidão, despojando os esboços, verificarão que existem mais coisas que devem ser explicadas do que vocês pensavam; existem contornos bizarros que não eram percebidos.

FOULCAULT (op. cit., p.249 ) esclarece, ainda, que “(...) devemos compreender que as coisas não passam de objetivações de práticas determinadas, cujas determinações devem ser expostas à luz (...)”, já que a consciência popular não consegue compreender a intenção que está por detrás do discurso e antes que a prática desse marketing político passe a vigorar como fato-comum e histórico...
Dessa forma, este estudo tem como objetivo fazer com que as questões históricas de nosso município voltem a ser debatidas e que possam ser evidenciadas nos sambas-enredos das escolas, fazendo o povo valorizar os nossos usos e costumes em detrimento da prática que começou a surgir no carnaval campista nos anos 60, segundo registro na memória oral e nas citações feitas por Jorge da Paz Almeida (op.cit. p. s/n), através do cordão carnavalesco “Filhos da Sereia”, do popularíssimo Benedito Caetano e que, depois, adentrou aos interesses ideológicos dos dirigentes das escolas de samba, blocos e bois pintadinhos, procurando, com isso, ampliar suas bases de faturamento.
Esperamos, sinceramente, que as pessoas possam pensar nesse assunto e ficaríamos muito satisfeitos se esse trabalho pudesse promover o retorno cultural às nossas raízes históricas tão ricas e, ao mesmo tempo, esquecidas em detrimento dos enredos feitos apenas para enfatizar pessoas e fatos sem nenhuma projeção social e histórica para tanto.

02 - CARNAVAL E CULTURA POPULAR.

O termo cultura é, por natureza, polêmico e multívoco, segundo conceitua o professor Carlos Nogueira, da Universidade Nova de Lisboa, durante palestra realizada por conta da 6ª Conferência Brasileira de Folkcomunicação, realizada em abril de 2002, no SESC Mineiro de Grussai, interior de São João da Barra, numa realização do Curso de Comunicação Social da Faculdade de Filosofia de Campos.
Mas, pelo senso comum, pode-se definir o carnaval como a mais legítima expressão da arte e da cultura popular, porque reúne todos os elementos lúdicos durante os três dias previstos no calendário momesco, destacando-se a entronização dos ingredientes oriundos das relações sociais, como os mitos, lendas, valores culinários, ditos jocosos, brincadeiras, versejares, cantigas e o uso da língua como marca das tradições históricas. O “Dicionário Filosófico Abreviado” (1950, p. 50), define o verbete cultura como:

Conjunto dos valores materiais e espirituais criados pela humanidade, no curso de sua história. A cultura é um fenômeno social que representa o nível alcançado pela sociedade em determinada etapa histórica. (...) Em um sentido mais restrito, compreende-se, sob o termo de cultura, o conjunto de formas da vida espiritual da sociedade, que nascem e se desenvolvem à base do modo de produção dos bens materiais historicamente determinado.

REALE (1996, p. 45), ensina que a palavra está vinculada a cada pessoa, indicando o seu acervo de conhecimentos e de convicções consubstanciadas “nas suas experiências e condicionadas as suas atitudes ou ao seu comportamento como ser situado na sociedade e no mundo”.
SIGRIST (2000, p. 25), sintetiza, caminhando pelo mesmo eito de deduções, que falar sobre cultura é no mínimo empreender uma discussão sem fim, pois uma compreensão exata do seu significado necessitaria de uma compreensão da própria natureza humana. E define cultura como “a expressão da forma de ser/viver da sociedade, (...) porque o homem é um ser contactante. Ele não vive só e tem a necessidade de relacionar-se com o outro (pessoas, objetos...)”.
SOARES (2004, p. ), separa as definições culturais para que sejam entendíveis. Salienta, explicando, a existência da cultura por imanência – aquela que vem na pessoa por herança de seu meio social – e que independe de outros valores apreendidos nas escolas. E acrescenta a cultura enquanto processo social, no qual se encontram os costumes, a moral e a ética; a cultura acadêmica, entendida como o trabalho pedagógico do ensino, pesquisa e extensão e a denominada cultura clássica e/ou erudita, como resultado de olhares sofisticados sobre as coisas.
A partir dos pressupostos antropológicos, o autor apresenta e explica a cultura de raiz e popular; a cultura de massa e popular e a cultura clássica e/ou erudita. Especificamente sobre a raiz, ele salienta:

A cultura de raiz é, por definição, aquela plasmada nas áreas de produção capitalista. No caso do norte fluminense, temos uma cultura originária das atividades canavieiras, cafeeiras e pastoris. A de massa é originária das franjas sociais dos centros urbanos, com forte influência dos meios de comunicação social (...).

Podemos entender, então que a cultura popular faz parte do processo social, por onde permeiam os costumes, a moral e a ética, sem abandonar a idéia de que o homem é o resultado de sua ancestralidade e, desse modo, obedece a alguns princípios de conhecimentos da imanência. Assim, ele conclui que a cultura (com seus traços) tem características locais, regionais e nacionais, ainda mais no Brasil, que tem dimensões continentais e onde há uma grande diversidade cultural.
Também o escritor Roberto Benjamin, presidente da Comissão Brasileira do Folclore, vê a cultura popular como “a similaridade de traços e características comuns à comunidade”. Traços esses que a pesquisadora Elizabeth Moreira apud Benjamin (2001, p.113), numa comunicação feita sobre as carrancas do Rio São Francisco na I FOLKCOM, (São Bernardo do Campo, 1998) considera que as culturas populares são apropriadas para a construção dos ícones da identidade regional e, ainda, para fins de marketing cultural.
É evidente que, ao longo do tempo, a cultura, de um modo geral, foi deixando marcas, ícones, signos e símbolos. E o homem passou a cultivar lendas e a criar mitos diante das circunstâncias e dos fatos vividos. Com o objetivo de estudar esses fatos, o arqueólogo inglês William John Thomas criou, em 22 de agosto de 1846, a palavra folclore (folk = povo; lore = conhecimento, saber), cujo objetivo era/é explicar que o homem, como um ser social, transmite o seu conhecimento para as suas gerações e para todos aqueles que passam a conhecer e a conviver com essas diferentes formas culturais.
No Brasil vimos que Edson Carneiro, segundo Luiz Beltrão, citado pelo professor José Marques de Melo -, foi o primeiro a mostrar que o folclore não era um corpo orgânico e mumificado, mas um fenômeno social vivo, dinâmico, em constante transformação, “dialeticamente sendo e não sendo um fenômeno ao mesmo tempo”.
Ao defender a sua tese de doutorado em 1967, “Folkcomunicação; um estudo dos agentes e dos meios populares da informação de fatos e expressão de idéias”, Luiz Beltrão parte desse princípio e cria a palavra folkcomunicação que, em outras palavras:

(...) é por natureza e estrutura, um processo artesanal e horizontal, semelhante em essência aos tipos de comunicação interpessoal já que suas mensagens são elaboradas, codificadas e transmitidas em linguagens e canais familiares à audiência, por sua vez conhecida psicológica e vivencialmente pelo comunicador (...).

Hoje a folkcomunicação se insere no contexto das propostas curriculares dos meios acadêmicos e uma gama de professores, mestres, doutores e até estudantes universitários têm desenvolvido trabalhos, com o objetivo de buscar as referências e as mensagens subliminares que estão por trás de cada evento cultural e folclórico no país, como as festas religiosas, o carnaval, o maracatu, o boi-bumbá, etc.
SCHIMIDT (2000, p. 89) conta que “nas festas carnavalescas há a suspensão temporária da hierarquia da cotidianidade. Faz-se uma paródia a ela, brinca-se, joga-se, inverte-se (...)”, situando que as circunstâncias lúdicas estão muito próximas da religiosidade. Tanto que ela mostra que também “nas festas religiosas, como a de São Benedito, a hierarquia é reproduzida em sua forma de organização, nas escolhas dos reis, da comissão, nas alas da procissão (...)”.
Compreendemos que o estudo das festas não pode ser feito de forma estanque sem que façamos uma correlação delas com a vida quotidiana, as suas rotinas e, também, com o mundo do trabalho. A festa faz parte do lazer, no qual “as classes populares ingressam de forma intensa quando passam a ter direito ao ócio, privilégio que era desfrutado apenas pelas classes mais abastadas da sociedade”.
O fato é que o carnaval - por ser uma festa pagã - também é tido pelo povo como um festejo da desordem. Melo em seu artigo “As Festas Populares como Processos Comunicacionais: Roteiro para o seu inventário, no Brasil, no limiar do século XXI”, referencia uma definição dada por Roberto Da Matta sobre o carnaval e as festas:

Penso que o carnaval é basicamente uma inversão do mundo. (...) Nele, conforme sabemos, trocamos a noite pelo dia, ou, o que é ainda mais inverossímil: fazemos uma noite em pleno dia, substituindo movimentos da rotina diária pela dança e pelas harmonias dos movimentos coletivos que desfilam num conjunto ritmado, como uma coletividade indestrutível e corporificada na música e no canto. (...) Carnaval, pois, é uma inversão porque é competição numa sociedade marcada pela hierarquia. É movimento numa sociedade que tem horror à mobilidade, sobretudo à mobilidade que permite trocar efetivamente de posição social. É exibição numa ordem social marcada pelo falso recato de “quem conhece o seu lugar” - algo sempre usado para o mais forte controlar o mais fraco em todas as situações.

Desse modo, numa sociedade marcada pela hierarquia e pela competição, o carnaval apresenta-se como uma inversão de valores. E é movimento numa sociedade em que tem horror à mobilidade, principalmente a que permite trocar efetivamente de posição social. Mas o carnaval também é exibição numa ordem social marcada pelo falso recato.
Ao analisar a forma como a mídia divulga e se apropria das festas populares, SCHIMIDT (op.cit, p.31), explica que,

Os meios de comunicação, a publicidade e o design criam terceiras culturas, ou ainda, criam novas formas de organização da festa a partir dos códigos primários. O fato de transforma-la em um espetáculo a fim de atender um mercado com um público mais amplo não significa que a participação da população local foi eliminada. A negociação do ritual representa uma nova semântica para atender às necessidades de uma sociedade globalizada, mas sem perder a ligação com as locais. A mudança no ritual não significa a resignação da comunidade local, pois seria resignar-se a um cotidiano sem movimento, mas pode levar à redescoberta da cultura local, como já ocorre, situando-o em uma hierarquia cultural global (...).

O fato de os carnavalescos campistas fazerem, nos últimos anos, alusões a políticos com a intenção de lucratividade e de puxa-saquismo, em detrimento da escolha de temas históricos, cuja fundamentação seria muito mais pedagógica, não anula o entendimento científico sobre o tema. Muito pelo contrário, até consubstancia a intencionalidade dos grupos carnavalescos que, elogiando os políticos, buscam não só os recursos para colocarem seus blocos na rua, mas também uma forma de conseguirem as melhores notas dos jurados nos desfiles promovidos pelas autoridades homenageadas.

03 - PARA QUE SERVE A IMPRENSA?

Dois fatos são fundamentais para o início do jornalismo brasileiro: o primeiro é a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil e o segundo é a impressão do jornal Correio Braziliense, feita por Hipólito José da Costa Pereira Furtado, na Inglaterra.
Sobre o primeiro fato não iremos nos aprofundar até porque a história é conhecida e perderíamos muito tempo em contar algo sobre esse registro. Mas, quanto ao segundo, o jornalista e escritor BAHIA (1972, p. 56), nos conta que,

Certo que, pouco antes e nesse mesmo ano (1808), Hipólito da Costa fazia circular aqui o Correio Braziliense, editado em Londres, mas era manifestação de jornalismo brasileiro fora de nossas fronteiras, ainda que refletindo da primeira à última página assuntos e temas do interesse nacional.

O jornal teve circulação freqüente de 1808 até 1822, com 175 números e páginas com os seguintes assuntos: política, comércio e arte, literatura e ciências e miscelânea. Ao todo, teve cerca de 90 a 150 páginas somando 29 volumes. O que poucos imaginam é que Hipólito lutava, com seu mensário, por princípios democráticos, contra o obscurantismo e o despotismo. Lutava por reformas de base no sistema administrativo e queria a emancipação política do Brasil.
Como um repórter ávido de notícias extraordinárias, lamentava-se no número de agosto de 1809: “eu tenho esperado de mês em mês poder publicar ao mundo as reformas úteis que se façam à bem do povo, melhorando a forma de governo no Brasil, mas de mês a mês se frustram as minhas esperanças”. Mais tarde, condenando Lisboa por intervir negativamente a ponto de estancar o progresso do Brasil, observava: “precisamos de um Conselho de Minas, uma inspeção para a abertura de estradas, uma redação de mapas, um exame de navegação de rios... mas nada disto se arranja porque não aparecem tais coisas no almanaque de Lisboa”.
De acordo com Bahia, ainda em 1811, Hipólito publicava,

Não cessamos nem cessaremos de continuar nestes clamores porque estamos persuadidos de sua necessidade absoluta, e que sem se cuidar nesta reforma seriamente, tudo vai perdido no Brasil. (...) No Brasil, seguindo o sistema de Portugal, envolve-se tudo que diz respeito ao erário com um véu do mais profundo segredo, e a ninguém, ninguém absolutamente, é permitido examinar as contas públicas e, portanto, está na porta fechada a todo remédio.

O Correio Braziliense desejava para o Brasil, instituições liberais e melhores condições políticas. Desde 1820, foi concedido a esse órgão o direito de circular pelo Brasil, mas com o surgimento de outros jornais, esse objetivo não foi posto em prática. Acabou desaparecendo em 1822, com a Independência do Brasil e, com o aumento desse movimento no país, foi sendo superado e esquecido pelos leitores.
Mas por que começamos a falar sobre Hipólito da Costa? Porque o editorial publicado, na primeira edição do Correio Braziliense, possui tanta profundidade em seu conteúdo, que serve como um ensinamento a todos aqueles que desejam fazer do jornalismo o seu ideal. Nessa edição Hipólito publicava o seguinte,

O primeiro dever do homem em sociedade é ser útil aos membros dela; e cada um deve, segundo as suas forças físicas e morais, administrar, em benefício da mesma, os conhecimentos ou talentos que a natureza, a arte ou a educação lhe prestou. O indivíduo que abrange o bem geral de uma sociedade, vem a ser o membro mais distinto dela: as luzes que ele espalha tiram das trevas ou da ilusão aqueles que a ignorância precipitou no labirinto da apatia, da inépcia e do engano. Ninguém mais útil, pois, do que aquele que se destina a mostrar, com evidência, os acontecimentos do presente e desenvolver as sombras do futuro. Tal tem sido o trabalho dos redatores das folhas públicas, quando estes, munidos de uma crítica sã e de uma censura adequada, representam os fatos do momento, as reflexões sobre o passado e as sólidas conjecturas sobre o futuro.

Portanto, desde o início Hipólito já pregava a existência de uma imprensa imparcial e consubstanciada na ética dos valores morais, cujo objetivo principal era o de noticiar e publicar os fatos ocorridos em seu tempo, registrando e clareando as mentes daqueles que já dominavam o saber.
No século passado, Ruy Barbosa, figura destacada da nossa história, também tecia considerações sobre os deveres da imprensa. Na conferência “A Imprensa e o Dever da Verdade”, realizada na Bahia, em 1920, em benefício do Abrigo dos Filhos do Povo, ele declarou que “a imprensa é a vista da nação”. E acrescenta que “por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe mal fazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça”.
Ruy também alertava quanto aos problemas causados por uma imprensa mercantilista e completamente distante daquilo que pregava Hipólito da Costa e ele próprio afirma que um país de imprensa degenerada ou degenerescente é, portanto, um país cego e um país miasmado, “um país de idéias falsas e sentimentos pervertidos, um país, que, explorado na sua consciência, não poderá lutar com os vícios, que lhe exploram as instituições”.
Por quê? Porque houve um período da história que a imprensa se arvorou em ser o Quarto Poder, vigiando e controlando os passos dos outros três poderes constituídos da Nação. Porque, também, esses jornalistas se colocavam acima de um poder que não tinham, e abusavam das baixarias e dos ataques contra os atos dos seus governantes, esquecendo-se dos seus deveres e das suas obrigações morais e éticas perante o seu público leitor.
Entretanto, o escritor Alceu Amoroso Lima apud Waldemar Lopes in Luiz Beltrão preceitua que “a grande finalidade moral e social do jornalista (...) vai além da finalidade puramente informativa. O jornalista medíocre informa por informar; o autêntico jornalista informa para formar”.
Isso explica porque vemos hoje tantos homens que se arvoram como jornalistas cometendo erros quanto ao conteúdo e deformando os fatos para criarem falsas idéias e falsos conceitos, jogando na escuridão leitores ávidos pela melhor informação e que acabam absorvendo essas notícias como se elas fossem verdadeiras.
Por outro lado, Zuenir Ventura informa que a imprensa está passando por uma crise e que essa crise pode ser depressiva, paralisante, mas também pode ser progressiva, transformadora, que resultará em sua maturidade. Dentro das questões éticas, ele frisa que os jornalistas têm sido inconseqüentes quando promovem julgamentos éticos de todas as instituições brasileiras para então falar mal dela própria. Utilizam meios ilícitos na obtenção de informações não autorizadas ou consentidas sem o controle da Justiça.
Para Zuenir, o interesse público é que deveria ditar o nosso comportamento e estabelecer a extensão e os limites da nossa liberdade de ação, para que o jornalismo tenha autocontrole, auto-regulamentação, autocrítica e ética. Já que ele é tão rigoroso com pessoas e instituições, fiscalizando, cobrando e patrulhando, deveria ser rigoroso consigo mesmo. Mas desde que não fosse necessário desmentir ou publicar correções já impressas.
Além disso, a crise na imprensa não é só de ética, editorial e conceitual, mas de palavra também. Já que a língua portuguesa não vem sendo bem tratada nas redações e como diz Otávio Paz, Prêmio Nobel de Literatura, “quando uma sociedade se corrompe, a primeira coisa que degrada é a linguagem”.
O pior é que essa degradação está em toda parte e há um desrespeito generalizado, bem como desprezo e descrença na língua portuguesa. Zuenir é enfático quando diz também que a imprensa em vez de aprimorar o texto para enfrentar a televisão, resolveu sacrificar a gramática diminuindo sua importância, descuidando-se de sua qualidade e restringindo o seu espaço, ao mesmo tempo em que considera que a solução “é dar menos texto em lugar de melhor”.
No entanto, enquanto alguns parlamentares consideram que só com a censura a imprensa irá melhorar Zuenir nos informa que esse tipo de remédio já foi experimentado e o resultado foi o que vimos a imprensa e o país ficaram piores. Mas conclui, repetindo uma frase (dizem) do Imperador D. Pedro II: “Contra os abusos da liberdade de imprensa, só há um remédio: mais liberdade de imprensa”.
Em tese, a imprensa serve para divulgar os fatos importantes de interesse da sociedade e teria a obrigação de revelar um olhar crítico sobre o que considera, em nome do povo, equivocado. Como, por exemplo, o uso exagerado de enredo em que os políticos e funcionários, encastelados no poder, passam a ser os atores principais das tramas carnavalescas. Tudo em detrimento dos valores pertinentes à história nacional.
URBAN (2004, p. 151), esclarece que a função do jornalismo de fazer a conexão entre os fatos e a sociedade é de extrema responsabilidade. “Ele tem uma função social, porque aquilo que lhe chega como cópia da realidade ganha uma interpretação própria. (...) O jornalismo é uma ponte que pode matar ou fazer viver; pode derrubar governos ou construir sociedades”.

04 - A IMPRENSA E O CARNAVAL

Enquanto jornais e jornalistas do século XIX, em tese, não tiveram o compromisso de publicar os principais fatos ocorridos nesta cidade, somente no século seguinte, Hervé Salgado Rodrigues, diretor-proprietário do jornal “A Notícia”, passou a relatar alguns pontos da história do carnaval campista, em seu livro “Na Taba dos Campos dos Goytacazes”.
Jorge da Paz Almeida, conhecido no mundo do samba, também narrou em um livro “50 Anos de Carnaval”, acontecimentos do carnaval campista, situando-os entre os anos 1925 a 1992. Além disso, em alguns casos, ambos os narradores se esqueceram do elemento primordial para uma narrativa histórica, neste caso as referências, sem as quais não há nenhuma ligação quanto ao significado da narrativa.
Até meados do século XIX, RODRIGUES (1988, p. 128), os campistas brincavam o carnaval na forma do “entrudo”, utilizando a violência nas batalhas com baldes de água e farinha de trigo e encerradas com o mau gosto das latas de urina. Isso fez com que o Barão de Carapebus, presidente da Câmara Municipal, em 1851, tomasse a medida enérgica de proibir a prática do “entrudo”, com o objetivo de moralizar as brincadeiras.
A medida tomada pelo Barão consistia em quatro longos artigos, que cominavam com a pena de seis dias de prisão e a multa de 12$000 réis, que depois foi substituída por 50 açoites no pelourinho, mas cujas penas nunca foram respeitadas. Mesmo assim, a situação melhorou e as perigosas brincadeiras foram substituídas pelos limões de cheiro, tidos como um projétil mais amável e cordial. Assim, 15 dias antes do carnaval, o povo começava a fabricar os limões, que eram feitos de água perfumada e vendidos em tabuleiros por escravos, ou em casas comerciais, como a do Vieira Bellido, que anunciou a venda, no Monitor Campista, dos tais limões pela última vez em 1892.
Os limões eram feitos de cera em diferentes cores e tamanhos e de borracha muito fina, cheia de água perfumada. Depois surgiram as bisnagas feitas de folhas de lata, espirrando cheiros bons. Até que em 1896, Arthur Rockert introduz o cinematógrafo em Campos, bem como os confetes e serpentinas para enfeitar o carnaval.
Segundo Hervé, os primeiros desfiles de carruagem ocorreram em 1857, quando no município existiam 157 carruagens e os desfiles eram feitos a pé, a cavalo ou em carrinhos enfeitados que conduziam os foliões das classes dominantes.
O primeiro desfile carnavalesco foi organizado pela “Sociedade Congresso Carnavalesco”, cuja sede localizava-se na rua Lacerda Sobrinho. O desfile constou de carro alegórico, que reproduzia antigas “saturnais”, música e guarda de honra a cavalo, levando buquês, que eram oferecidos às damas. Depois disso, surgiu, em 1870, a “Sociedade Az de Copas”, que provocou um escândalo, porque, pela primeira vez, os homens saíram fantasiados de mulher. No século passado RODRIGUES (op. cit., p. 130) comenta que a fase áurea do carnaval campista ocorreu entre os anos de 1920 e 1950. E ele descreve um desses carnavais da seguinte forma:

(...) nas tardes de carnaval, os mascarados começavam o desfile por volta das 14 horas. Eram figuras humorísticas, belos dominós com guizos e arminho nos punhos e nas golas ursos e bois pintadinhos. Depois, quase à tardinha, vinham os corsos. A população então vinha para o centro para assistir ao desfile e participar dos desfiles e das guerras com os populares limões de cheiro.

Posteriormente, os campistas foram criando diversas associações carnavalescas como clubes, cordões, ranchos, blocos de embalo ou blocos avulsos, blocos de salão, boi pintadinho, blocos de samba, batucada... Isso até chegar às escolas de samba.
O historiador e narrador dos fatos ocorridos na Baixada Campista, Waldir Pinto de Carvalho, no livro “Campos Depois do Centenário” volume 1 (2001, p.69) também fez relatos de alguns carnavais que vivenciou na sede do município, como, por exemplo, o de 1935, em que o rancho “As Magnólias” brilhou na avenida e conquistou o título de campeão. Em outras edições de sua obra “Campos Depois do Centenário”, Waldir de Carvalho fez pequenos relatos de como foi o carnaval campista, nas décadas de 1940, 1950 e, principalmente, 1960.
Dessa forma, percebemos que o carnaval campista foi se modificando com o tempo, porque quando havia um desentendimento dentro do grupo, alguns foliões criavam outro tipo de bloco para brincar o carnaval, como relatou Jorge da Paz Almeida. Daí a quantidade de diferentes sociedades carnavalescas – blocos de escudos, ranchos, cordões, Frevo e as grandes sociedades que existiram em Campos, das quais restam apenas três tipos: os bois, os blocos e as escolas de samba.
O importante é assinalar que a imprensa sempre esteve, de certa forma, ligada à natureza dos carnavais, até como forma de estabelecer elos de comunicação com a população. Na obra “Memória do Carnaval” (Oficina do Livro, Rio de Janeiro, 1991) in SOARES (2004, p.106) há um registro dando conta de que a partir de 1855, no Rio de Janeiro, “a imprensa passa a ser responsável pela divulgação do carnaval, destacando a fundação do Congresso de Sumidades Carnavalescas, as primeiras grandes sociedades...”. SOARES (op. cit., p. 107) diz que O Globo, A Noite, Diário de Notícias, Jornal do Brasil, A Tarde, Última Hora (...) foram, sempre, parceiros das atividades carnavalescas em todas as épocas.
Em Campos, a mesma fonte cita:

(...) apesar de o Monitor Campista ter sido fundado em 1834, os registros sobre o carnaval campista naquela época são raros, embora existam evidências de que os aristocratas rurais, também, realizavam suas festas carnavalescas nas casas grandes de suas fazendas e engenhos, a exemplo do que acontecia no Rio de Janeiro (...)

Os jornais A Notícia, de 1912; A Cidade, 1938 e, depois, a Folha da Manhã, 1978, sempre deram apoio integral aos carnavais da cidade, mantendo colunas especializadas nos meses que antecediam o tríduo momesco.
Há, no entanto, na narrativa (SOARES, op. cit. p.119) a desconfiança de que o prefeito Manuel Ferreira Paes dava uma atenção especial às escolas de samba Unidos da Coroa e Cruzeiro do Sul, grandes campeãs do carnaval dos anos 50. Isso porque as sociedades eram dirigidas por um servidor municipal, Roberval Bastos Tavares, importante em sua administração e um delegado de polícia, Oswaldo de Oliveira Trota. O autor salienta, também, que “as duas sociedades recebiam uma verba mais substanciosa, deixando as concorrentes sem condições de competir”. Há que se destacar que, por exemplo, a Folha da Manhã, para incentivar várias categorias de integrantes dos blocos e escolas de samba, chegou a criar o Troféu “Felisminda Minha Nega”, representado por uma comenda, cujo desenho é criação do design Luiz Carlos França. O jornal erguia um palanque especial na avenida, onde destacava seu estandarte preto e branco e mantinha uma comissão especial para os melhores blocos e escolas (no conjunto), passistas, mestre-sala e porta bandeira, ala de baianas, fantasia e melhor samba-enredo.

04.1. Tempo dos Lordes

Há de se ressaltar que a imprensa campista sempre abriu espaços para a divulgação das notícias carnavalescas, embora não tivessem (como não têm) o olhar crítico sobre os enredos, sambas e até homenagens, por parte das sociedades carnavalescas, com o nítido objetivo de buscar apoio e financiamento para suas hostes.
As colunas especializadas eram assinadas pelos lordes, título dado aos que ganhavam/davam importância no/ao carnaval. Como a folia era de Momo, Rei I Único, seus adeptos eram considerados de uma linhagem nobilíssima. Os lordes se reuniam em torno da Associação dos Cronistas Carnavalescos, entidade criada pelo radialista Aury Fonseca e pelo Lorde Tio Lou (Jornalista Nicolau Louzada). Mas foram/são famosos os Lordes: Tomatão (Fernando Gomes Vasconcelos, carnavalesco do Bloco “Quem Não Viu Vem Ver”); Barriquinha (Jornalista Fernando José Gomes, do Jornal A Reportagem); Broa (Herval Santa-Fé, titular do Bloco Os Caveiras), Lorde Fofoca (Wallace de Oliveira), Ziriguidum (jornalista Orávio de Campos, do Jornal A Cidade).
Como publicações, exclusivamente relativas ao carnaval, tínhamos o Jornal Voz Cadavérica, de Herval Santa-Fé e a famosa Revista “O Carnavalesco”, do jornalista Herbson da Rocha Freitas, presidente da Academia Campista de Letras e da Associação de Imprensa Campista – AIC. Aliás, ele mesmo fala da importância da associação dos cronistas e da publicação de uma mídia impressa especializada em carnaval.
Para Herbson o tempo dos lordes era muito mais romântico e marcava a influência da imprensa e dos programas radiofônicos no carnaval. Aliás, segundo ele, por estes espaços circulavam/circulam carnavalescos que, nos demais dias do ano, eram/são pessoas comuns da sociedade e, sendo assim, sem nenhum destaque especial em suas atividades rotineiras. “O carnaval tem essa aura e insere no sucesso os seus artistas populares”.
Em relação à Associação dos Cronistas Carnavalescos, atualmente acéfala, Herbson afirma que ela, para o carnaval, cumpriu um importante papel e “hoje seria de grande importância se as entidades pudessem se organizar à altura do carnaval campista”.
Indagado sobre sua história, Herbson disse que, “a primeira tentativa de se formar a associação carnavalesca foi com Aury Fonseca, seu primeiro presidente. Nessa administração eu estive presente junto com Nicolau Louzada e Orávio de Campos Soares, mas, infelizmente, essa primeira diretoria teve vida efêmera”.

05 - VISÃO DOS HISTORIADORES

Ao fazer um relato da história dos carnavais campistas, Jorge da Paz Almeida, além de mostrar o que havia acontecido no carnaval de 1925, faz um contra-ponto com o que ele estava vendo em 1975 e conta que os grandes clubes começaram a dar sinal de cansaço. “A exemplo do que hoje acontece com as sociedades carnavalescas (mesmo as grandes), como no caso dos Tenentes de Plutão – Clube Macarroni e Indianos Goytacazes (...)”.
O pesquisador Jorge conta, ainda, que os primeiros blocos carnavalescos, denominados de Blocos de Escudos, não objetivavam disputar títulos, mas apenas se reunir para um desfile alegre brindando os que se concentravam nas ruas para assistirem ao carnaval. E explica: “(...) porque o Carnaval não era esquematizado, os responsáveis faziam a festa para o público, sem caráter competitivo, tendo como objetivo máximo a alegria carnavalesca”.
Entretanto, CARVALHO (op. cit., p. 76), comentou que, já em 1967, o carnaval estava em decadência porque “os folguedos de rua estavam muito desanimados, ridículos mesmos”. E complementou dizendo que, “nada daqueles tipos curiosos a desfilar pela manhã, tampouco as luxuosas fantasias exigidas à tarde, ocultando de maneira hermética, as figuras autênticas que se vestiam de Pierrô, Colombina ou Arlequim”. Portanto, fica evidenciado o desânimo por parte dos foliões de tempos em tempos, deixando o carnaval de lado ou então voltando com o objetivo de levar às ruas, outro tipo de sociedade.
Mas quando surgiu a disputa do carnaval?
A resposta pode ser encontrada em outro ponto da obra de Jorge da Paz Almeida e no mesmo capítulo referente aos blocos carnavalescos.De acordo com o seu relato, no final da década de vinte e início da década de 30, surgiram os blocos carnavalescos mais positivos e com sentido de disputa, sem que, necessariamente, alguém definisse a organização de comissão julgadora, encarregada de indicar os melhores. Há controvérsias, uma vez que as décadas de 20 e 30 do século passado eram caracterizadas pela presença, nos bairros, das batucadas que, nos anos 60, ganharam o rótulo de escolas de samba.
Para o autor, os pontos altos desse período foram às marchas criadas pelos blocos, tudo porque cada um deles criava uma marcha debochando dos demais blocos. Como, por exemplo, esta do lendário Pega Veado, na década de 30:

Chega, Momo, chega...
Os cordões vêm com amor
São os Caçadores e na Zona do Terror
Dos Filhos do Sol, brilha a Estrela...
E na sua luz surgiu a Lira Brasileira
Dizem que ele sabe
Mas não diz nada a ninguém
Pobre das Morenas que Paixão não têm
Com medo do Pega o Prazer precipitado
O Felisminda já é noiva do Veado.

Assim, os componentes do Bloco Felisminda Minha Nega quiseram brigar com o Bloco Pega Veado. Mas somente com a saída de Antero, que fundou o Bloco de Escudos e o Prazer das Morenas, o Felisminda resolveu responder à provocação da seguinte forma:

Seu prazer está no cachimbo
Pois as Morenas eu nunca vi
Me solte (sic) um tango
É o que posso fazer por ti
Tu nunca foste (sic) Prazer das Morenas
Pois as pequenas não são mulheres tolas
Mas sempre foste (sic)
Prazer das suas negas
Ou alegria intensa das crioulas.

Posteriormente a esse início e na década de 30, Jorge da Paz Almeida, relata o período em que no carnaval campista, também, imperavam os ranchos. Desse tempo, ele enfatiza que enquanto os homens desfilavam nos Cordões, “as moças que quisessem desfilar em alguma sociedade só poderia fazê-lo num rancho”.
Na década seguinte, 40, é que o carnaval das classes menos aquinhoadas começou a ganhar maior impetuosidade, pois o então prefeito Manoel Ferreira Paes e o Presidente do Unidos da Coroa, Rodoval Bastos Tavares, que era funcionário da Prefeitura, deram atenção especial aos carnavalescos. Depois, outros prefeitos que se seguiram, como: José Alves de Azevedo, Barcelos Martins, Carlos Peçanha, Rockefeller Felisberto de Lima, José Carlos Vieira Barbosa e Raul Linhares, também fizeram o mesmo, inclusive passando a subsidiar a estrutura e as sociedades carnavalescas.
Atualmente os subsídios estão mais substanciosos e isso passou a ocorrer nos governos de Anthony Garotinho, Sérgio Mendes, novamente Garotinho, Arnaldo Viana e Alexandre Mocaiber. E já se anunciam outras formas de “homenagem”, claramente com o intuito de assegurar à sociedade carnavalesca uma forma de poder desfilar, independentemente da verba que recebe como ajuda da municipalidade.
CARVALHO (op. cit., p. 301) cita que foi no ano de 1962 que o Governador do Estado, o campista Togo de Barros e o prefeito Carlos Peçanha, e tendo como presidente da Federação das Sociedades Carnavalescas de Campos, José Sartro Costa, “solicitaram e o deputado Alair Ferreira concebeu uma verba destinada às sociedades carnavalescas de Campos, possibilitando o seu tradicional desempenho perante o público”.
Somente em 1968, é que o carnaval campista teve o seu primeiro desfile “mais ou menos organizado”, como conta Jorge da Paz Almeida,

De uma maneira geral, Vilmar Rangel, primeiro Diretor de Turismo, além de oficializar os desfiles de blocos de samba, influenciou o então Prefeito José Carlos Vieira Barbosa e conseguiu a ornamentação uniformizada da cidade durante o reinado de Momo. Então a abertura oficial do carnaval foi feita com um carro aberto, desfilando o Cidadão do Samba, o Rei Momo e a Rainha do carnaval, para isto o Departamento de Turismo contou sempre com a colaboração da Associação dos Cronistas Carnavalescos de Campos, na ocasião presidida pelo (radialista) Aury Fonseca.

No ano seguinte, o jornalista Nicolau Louzada, diretor da Promo-Campos (que dá nome hoje ao Troféu “Ouro da Terra”, promovido pela Fundação Trianon, na administração de Nilson Maria Pessanha), à frente do mesmo Departamento, além de conseguir a ornamentação, contribuiu disponibilizando arquibancadas que deram mais segurança e liberdade de movimentos aos componentes das sociedades carnavalescas e, também, ao público em geral.
Outro fato, citado por Jorge da Paz Almeida, e que tem importância para o carnaval campista é o fato de a Associação dos Cronistas Carnavalescos de Campos, sob a presidência do, também, colunista Nicolau Louzada, ter passado por uma reestruturação em 1974, dando maior apoio ao carnaval.
Quando estiveram à frente da Associação das Escolas de Samba de Campos, Jorge da Paz Almeida e Herbson de Freitas, então ocupando o cargo de Diretor de Turismo da Prefeitura, resolveram, em comum acordo, que as entidades carnavalescas deveriam possuir outras atividades fora do carnaval durante todo o ano, para não dependerem das verbas oficiais.
Mas foi a partir de 1977, no governo do prefeito Raul David Linhares, que os carnavalescos encontraram no Diretor de Turismo, Dudu Linhares, um campo aberto para o diálogo e este, então, cobrou das escolas a criação de um órgão específico, que respondesse por elas, surgindo então a Associação das Escolas de Samba de Campos – AESC e a União dos Blocos de Samba de Campos. – UBSC.
Naquela época, o jornalista Herbson de Freitas justificava o subsídio para o carnaval de Campos, assinalando que:

(...) carnaval é investimento sem retorno, é para o povo, cabe ao governo promovê-lo, dando às sociedades condições de apresentar algo que possa pelo menos agradá-lo. Nunca concordamos com o revide, principalmente das escolas de samba que insistiam no não cumprimento de horários e regulamentos.

As escolas de samba, já naquela época, não se respeitavam e atrasavam os seus desfiles, com o único propósito de tirar o brilho da última escola a desfilar. Desse modo, enquanto algumas, vencidas pela própria desorganização desapareciam, surgiam três ou quatro blocos de samba e o desfile destes últimos crescia a cada ano.
Em 1984 e 1985, quando a cidade sofreu com as constantes chuvas, o carnaval campista foi realizado sob o sistema de mutirão no primeiro ano, com a prefeitura oferecendo às entidades toda a infra-estrutura de instalação de arquibancadas para três mil pessoas e os camarotes para as entidades que dirigiam o carnaval.
Só que, no ano seguinte – ano do sesquicentenário da cidade -, o município sofria com novas enchentes. Diante disso, coube a AESC solicitar de empresários, de comerciantes e da Petrobrás ajuda financeira para viabilizar o carnaval. A entidade ainda determinou que todas as sociedades apresentassem o tema baseado nos 150 anos do município.
Parodiando Hervé Salgado Rodrigues, Jorge da Paz Almeida, disse que “o nosso carnaval veio vindo, com atrasos incabíveis, principalmente nos desfiles das escolas”. Mas “o mundo das escolas de samba começou a reagir com o aparecimento de várias outras escolas”, frutos da transformação dos antigos blocos “Onça no Samba” e “Ururau da Lapa”.
Numa publicação histórica, no Jornal “A Notícia”, em 17 de fevereiro de 1985, Hervé fala da participação dos clubes de futebol no carnaval, salientando:

(...) o bloco Mama na Burra, do Goytacaz, com críticas ferinas ao Americano, da autoria de Gumercindo Freitas, Ernesto Lima Ribeiro, Lobinho, Balbi e outros; e os “Mosqueteiros da Baixada”, do Americano, Oswaldo Aguiar à frente, fazendo gozação com o Goytacaz. E o bloco Pé no Fundo, do Clube de Regatas Rio Branco (...).

No mesmo periódico, o historiador comenta o tempo, exatamente nos anos 60, quando o carnaval da classe média passou das ruas, com o final do corso, para os salões dos clubes sociais. Saldanha da Gama, Automóvel Clube Fluminense, Clube de Regatas Campista, Rio Branco de Regatas, Bandeirantes da Lapa, além de outros salões, inclusive nos distritos.
O fenômeno do carnaval nas praias, com ênfase para o Atafona, Grussai e Farol de São Tomé, é mais recente, coincidente com o crescimento das atividades carnavalescas em São João da Barra. Ele destaca o Grussai Praia Clube, na presidência do radialista Andral Nunes Tavares; o Atafona Praia Clube e os desfiles carnavalescos no Farol, com o brilho de seu tradicional bloco “Ladrões de Bagdá”, dizem que fundado por sírio-libaneses que veraneavam na única praia genuinamente campista.
Em suas pesquisas, Hervé, referindo-se à segunda metade dos anos 80, enfatiza: E os nomes de hoje? E ele mesmo cita:

(...) Mercedes de Oliveira, Adair Ferreira, Roberto Moreira, Ariel Chacar, Rubens Pereira, Robertinho Boca de Encrenca, Ailton Barra Limpa, Silvio Feydit, o vereador Edson Coelho dos Santos, Paulinho 29 e o sempre presente Jorge da Paz Almeida, o Jorge Chinês, baluarte do carnaval campista.

Em nenhum momento, as narrativas de Hervé indicam a adoção de enredos a personalidades políticas, demonstrando que esta prática é muito nova e, infelizmente, danosa para a próxima história do país. O máximo que se observava era uma enorme faixa, que se estendia à frente do Abre-Alas, dizendo que a sociedade tal homenageava fulano e pedia passagem ao povo da cidade. Aliás, uma forma de agradecimento às autoridades que, mesmo diante de orçamentos prejudicados pela baixa arrecadação, ainda encontravam meios para financiar parte da folia de Momo e, por extensão, as sociedades desfilantes.

06 - DESFILES OFICIAIS

O curioso, no entanto, é imaginar que, até a década de 50, coincidentes com os anos seguintes ao final da 2ª Grande Guerra Mundial, os sucessos do carnaval campista eram as Grandes Sociedades Carnavalescas, representadas pelas classes dominantes, através dos Blocos Tenentes de Plutão, Indianos Goytacaz e os Macarronis.
SOARES (op. cit., p. 103) lembra, recorrendo a Jorge da Paz Almeida, que o carnaval, no seu todo, era regido pela espontaneidade e reunia, no centro da cidade, os corsos, foliões fantasiados, grupos de sujo batendo em latas e recorrendo a sátiras, bois pintadinhos com seus mamulengos e jaguares e grupos de samba vestidos de sainhas. À noite, sem horário determinado, desfilavam pela praça do Santíssimo, Descida da Praça (Avenida 7 de Setembro) e curvando pela 13 de Maio, ranchos, blocos de escudos e cordões carnavalescos, envolvendo a sociedade mais pobre, oriunda da periferia da cidade.
As grandes sociedades encerravam o carnaval na terça-feira gorda. A partir da última fanfarra, a cidade ficava entregue às cinzas, até porque não era permitido entrar pela quarta-feira brincando um carnaval que passou e que ficou na lembrança. A igreja católica (com forte influência na sociedade) impedia que o povo entrasse nas aléias do dia que, pelo calendário Juliano, marca o início da Quaresma.
Onde se encontravam as escolas de samba? Praticamente não existiam, pelo menos com este título. Os próprios blocos desfilavam com famosas marchinhas de carnaval e o samba era, ainda, uma batucada desenvolvida por descendentes negros relegados às periferias. A mais antiga dessas batucadas foi a Companheiros Unidos de Guarus, tendo à frente o Juca Alfaiate, sendo uma das primeiras a se transformar em escola de samba.
ALMEIDA (op. cit., p. s/n) cita que, esta escola de samba, em 1950, inovou em termos de carnaval, apresentando seus desfilantes “com roupas de passeio, as damas com vestido de gala e os cavalheiros com ternos de linho, gravatas a rigor”. Mas existiam outras batucadas transformadas em escolas, como a Unidos da Coroa, do velho Serafim, (escola presidida pelo funcionário municipal e carnavalesco Rodoval Bastos Tavares); a Cruzeiro do Sul, formada pelas “meninas” da rua do Vieira (antigo prostíbulo da cidade), dirigida pelo sambista Oswaldo de Oliveira Trota que, curiosamente, era o delegado de polícia da cidade.
A Academia de Ritmos Mocidade Louca surge em 1952, a propósito de uma reunião, no bairro do Morrinho, entre Morenito, Hélio Cachacinha, Hélio Almeida (irmão de Jorge), Ailton Sabará, Miguel Litro, Curtinho, Zé Bico Roxo e outros carnavalescos que saiam no Jaguar de “seu” Licurgo. Em dezembro de 1958, surge a União da Esperança, no bairro de Custodópolis. Segundo Jorge, citado por SOARES (op. cit., p.120):

(...) União da Esperança nasceu com o rótulo de escola, fundada em 8 de dezembro de 1958, sob a mangueira da casa de Maria Batista e com a presença de Armando Magalhães, Wanderley, Badinho e Wenceslau Brás. (...) e que as outras duas, (Unidos de Cambaíba e Unidos Farra), iniciaram justamente a disputar com a Mocidade Louca (...)

A história de Jorge Chinês não segue um método e nem uma cronologia, sendo fruta de sua memória. Às escolas de samba citadas (Mocidade Louca, União da Esperança, Unidos da Coroa e Amigos da Farra) podemos incluir, como participantes dos desfiles não oficiais do final dos anos 50 e início da década de 60, as Madureira do Turfe, Sorriso do Norte, Independentes do Parque São José, dirigidas pelo mestre Anésio Miguel.
Uma coisa, no entanto, é certa. Inspirado no exemplo inovador dos Companheiros Unidos de Guarus, Jorge da Paz Almeida compõe o primeiro samba-enredo de escola de samba em Campos dos Goytacazes. Trata-se de uma homenagem ao trabalhador. Foi quando a Mocidade Louca ganhou sucesso. O samba é de 1961, cuja letra, começando por um estrondoso lá lara, imitando uma corneta, diz o seguinte.

Alvorada no meio de gente bamba
O regimento do samba chegou
Ao povo eis a minha homenagem
Este meu samba dedico ao trabalhador
Em uma mensagem de paz e amor
Fazendo máquinas, abrindo estradas,
Arando a terra para plantar cereais,
Transportando, edificando,
Lutando sempre na guerra e na paz
Por isso eu te saúdo
Ao reconhecer o seu valor
Nesta mensagem de paz e amor.

Em 1962, por exemplo SOARES (op. cit., p.124) não existia, ainda, uma passarela para os desfiles. Naquele ano, a prefeitura armou um pequeno palanque para as autoridades defronte à prefeitura velha e por ali desfilaram as sociedades carnavalescas, já com uma comissão julgadora encarregada de indicar as melhores. No pé da mesma página, o autor lembra que a Mocidade foi a campeã com o enredo “Baile na Corte”, cujo samba-enredo era do próprio Jorge da Paz Almeida. Ele cita:

(...) desfilaram na Mocidade o jornalista Fernando José Gomes e sua esposa Tércia Gomes, além dos artistas Iolanda e Francisco Ferreira Vale, todos ligados ao Teatro Regional de Comédias, um dos melhores daquela década. Defronte ao palanque, a escola fez a representação simbólica do baile e, junto à bateria, tinha até violino, importante na execução de um pequeno trecho de “A Viúva Alegre” (...)

Nos anos que se seguiram, nos quais a Mocidade ganhou sete vezes seguidas, somente sendo superada pela Unidos de Cambaíba, com o enredo “Zumbi dos Palmares”, em 1966, Jorge continuava a brilhar como compositor e, um ano antes do enredo “Baile da Corte”, entrava na praça do Santíssimo com um samba-enredo contendo uma reivindicação ao prefeito José Alves da Azevedo.
O estribilho era assim: “Numa audiência ao prefeito / Eu vou pedir um palanque na praça / Para o povo se divertir / Se eu for atendido / Cantarei em alta voz / Democracia abre as asas sobre nós (...)”.
Aliás, a Cambaíba, em 1967, voltou a ganhar com o enredo “Epopéia da Luz Elétrica”, contando com o apoio dos proprietários da usina, tendo à frente o seu presidente Heli Ribeiro Gomes. Jorge lembra este grande destaque: “(...) A apresentação foi um negócio de louco. O enredo focalizava a primeira cidade da América do Sul a possuir luz elétrica: mostrando postes, a visita do imperador, tudo em alegorias muito bem feitas, mostrando a inteligência dos realizadores e a perícia e o bom gosto dos executores (...)”.
De forma estranha e incompreensível, depois de duas vitórias, a Cambaíba nunca mais foi à avenida. Da mesma forma que surgiu, desapareceu sem deixar vestígios. Apenas alguns registros nos jornais da época.
Com raríssimas (e felizes) exceções, o samba campista exaltava a cultura e a história brasileiras, com seus compositores exercitando belíssimos poemas, devidamente musicados pelos sambistas de escol. Dentre as exceções, Jorge lembra um marketing comercial feito pelo compositor do Cordão Temor do Norte, enaltecendo uma marca de cachaça. A letra é assim: “Pedro Lomeu Charles / dá-me um cálice / Da mais gostosa que é / Na hora do almoço / Aguardente é Santa-fé / É Santa-fé / É Santa-fé”.
Depois lembra de grandes compositores, como ele próprio, Lorde Tomatão, Rubens Pereira, Elier Cruz, João Cruz, Geraldo Gamboa, Milton Nascimento (Neguinho da União da Esperança), Climaco Viana, Climeraldo Viana, Manoel Tancredo, Claudinho da Hora, Wellington Nunes, Carlinhos Gafieira, Dagval Tavares de Brito, Dalvino Costa, Grácio Abreu, Almir Pé Verde, Toninho Chita, Bambu, Silvio Feydit...
Cita, como exemplo, da boa poesia e dos melhores sambas (cf. anexos), o de autoria de Fernando Leite Fernandes e João Damásio pode nos dar uma idéia da qualidade:

Eu vou brilhar
Feito estrela (eu vou brilhar...)
Oh! Minha doce liberdade
Numa explosão de felicidade
Ô, ô, Iaiá...
Os Psicodélicos vão penetrar
No espelho e refletir a imaginação

Com o coração a palpitar
O povo canta em harmonia
Enaltecendo as orgias
E as imensas festas bacanais
Trazendo oferendas a Baco
Enche de luz a avenida
Hoje a arte da vida
Vai ser dividida
Em sete festas colossais.

E relembrando as saturnais
Mulheres de belezas nuas
Que bailavam sob a lua
Num colorido estrelado de uma noite
O tempo não é de açoite
É de frenesi e carnaval

O rei mandou comemorar
Com água e vinho eu vou brindar
O sol ilumina o meu saber
Em cores e brilho o meu viver.

Diferente, obviamente, dos sambas atuais, em que os políticos são homenageados com letras ridículas e mal feitas e ostentando sambas feitos para o consumo e não para fazer história. Para se ter uma idéia, nos anexos estão inseridos os mais belos sambas-enredos do carnaval campista. Logo a seguir, para que os leitores possam construir dados comparativos, Inserimos alguns sambas que infestaram/infestam o carnaval campista, praticamente a partir de 1986, sendo que o recorde de homenagens feitas pelas sociedades carnavalescas pertence ao ex-governador Anthony Garotinho que, quando radialista, chegou a assinar a poesia de alguns sambas, de parceria com o compositor Gordiano da Penha.

07 - HOMENAGENS

Como já foi dito, na história do carnaval campista, as ditas “homenagens” começaram com o carnavalesco Benedito Caetano, do Cordão Carnavalesco Temor do Norte. Nos anos 60, quando os desfiles não eram oficializados, ele resolveu enaltecer a figura do então político Carlos Ferreira Peçanha. Como não tinha nenhuma intimidade com os versos, o sorridente carnavalesco saiu com essa letra no mínimo antológica:

Eu fui para São Paulo
Passei pela montanha
E vim no carnaval
Pra sardá Carlinho (sic) Peçanha.


Ainda nos anos 50, o mesmo Benedito, autor de outra música na qual homenageia o próprio filho – “Eu me chamo Benedito / O meu filho é Hiroito / Veja que rapaz bonito...”, passa à história, como o primeiro súdito de Momo a empregar o marketing comercial no carnaval. Vale repetir os deliciosos versos com os quais elogiou uma cachaça muito consumida naquela época, embora ninguém tenha conseguido explicar que é esse tal de Pedro Lomeu Charles imortalizado na composição:

07.1 - Arquivo Público

Para consubstanciar a idéia de que os primeiros sambas-enredos homenageando políticos começaram em 1986, no governo do prefeito Anthony Garotinho, isso sem contar com as evoluções já descritas sobre o pioneirismo de Benedito Caetano, a equipe foi ao Arquivo Público Municipal e escolheu, como objeto da pesquisa, as edições da Folha da Manhã, no período de 1978 a 1984 e, por incrível que pareça, não foram encontrados registros sobre o assunto, mas deu para se observar a ausência de uma visão crítica sobre o carnaval da cidade.
As matérias do jornal, nos períodos carnavalescos, que vão/iam desde um mês antes do tríduo até o resultado dos desfiles, deixam antever, por outro lado, que, coincidentemente, o início da decadência do carnaval, mostrando que o fenômeno, incluído nas relações sociais, não começou neste milênio, como querem alguns admitir, obviamente sem os alvores da pesquisa rigorosa feita nos jornais da época.

07.1.1 - 1978

A principal manchete do jornal Folha da Manhã, do dia 1º de fevereiro de 1978, enfocava o carnaval campista e o forte esquema de segurança que deveria ser montado para dar suporte à população, devido ao tumulto gerado pelo atraso da venda de ingressos para as arquibancadas. Nas páginas 6 e 7 do mesmo dia, o jornal dava ênfase a matérias do bloco “Os Caveiras” e ao saudosismo de algumas pessoas ligadas a dois clubes que marcaram época no carnaval campista, os Plutões e o Macarroni.
No dia seguinte, os travestis viraram notícia e o jornal questionava o seu valor para o carnaval campista, com a seguinte manchete: “Os travestis: autênticos sambistas ou simples profissionais?”. O foco voltava-se para Jolivete Lorenzoni, Joaquim, Ângela Maria (que desfilava no Império do Samba), Ediélio Mendonça, entre outros.
No dia 3, a colunista Maria Ester destacava o carnaval dos colunáveis e o jornal estampava, na página 6, uma matéria sobre a costureira Dona Carli (esposa do famoso Morenito, um dos fundadores da Mocidade Louca) , do Morrinho, que, por amor à escola, confeccionou 200 fantasias em 30 dias, além do fato de a instalação das arquibancadas e da decoração da avenida ainda se encontrar em processo de acabamento.
Considerado uma tradição na abertura do carnaval campista, o bloco “Os Caveiras”, às 10 horas, inicia seu desfile. No dia 4, o jornal publicava uma relação dos blocos de salão dos clubes que desfilariam (como desfilaram) no carnaval, como o Almirante (Saldanha da Gama), Os Piratas, Os Capetas, “Pif-Paf, Os Barões (do Rio Branco), Os Corsários, Os Pingüins, etc...
No dia seguinte, o destaque do jornal Folha da Manhã era o adeus do Lorde Broa no desfile do bloco “Os Caveiras”. Para ele, o carnaval estava acabando porque não existiam (mais) os bons carnavalescos. E confidenciou: “tenho que admitir que o carnaval está acabando, é por isso que me retiro”. Contrariando o que anunciara dias antes, o início dos desfiles dos blocos aconteceu às 20 horas. Apesar da despedida, o Lorde Broa somente saiu do carnaval em 2006, quando faleceu.
No dia 9, o jornal prevê a vitória da União da Esperança e d´Os Psicodélicos, fato comprovado no dia seguinte. No dia 10, o radialista e homem ligado ao carnaval de Campos, Nilson Maria, declarava: “de um modo geral, considerei muito bom o nível do nosso carnaval de rua. É preciso reconhecer que muita coisa se transformou e, na realidade, desfile carnavalesco hoje em dia, é espetáculo”.

07.1.2 – 1979

Nilson Maria publicava em sua coluna, no dia 2, as dificuldades da escola de samba Independentes de Guarus. No dia 3, a manchete do jornal Folha da Manhã destacava a escolha do samba de “Tomatão”, para ilustrar a escola de samba Mocidade intitulado “Hoje é dia de Festa”.
No dia 5, ele retratava as dificuldades do carnaval de 79, em que as sociedades exigiam arquibancadas maiores, mas a expectativa era a de que no próximo carnaval a arquibancada teria maior capacidade de público.
O principal destaque da coluna de Nilson Maria, no dia 8, era a de que alguns blocos e escolas de samba estavam demonstrando total falta de interesse na divulgação de seu samba, desencadeado pela campanha “Ajudem-nos a divulgar o samba”. O período era crítico porque a cidade passava por um período forte de enchente e o prefeito da época, Raul Linhares, decidiu cancelar a programação do carnaval. Em uma mesa redonda proposta pelo Jornal Folha da Manhã e, depois de muitos protestos das associações de escolas de samba, os sambistas protestaram e a prefeitura decidiu pela realização do carnaval, apesar dos pesares.
Na coluna de Nilson Maria do dia 14, comentava-se que o carnaval sem cunho oficial começava a gerar divergências. Na mesma data, o pedido da iluminação no local do desfile era feito por “Zé do Tamborim”. O colunista divulgou no dia 22 de fevereiro, a liberação dos travestis para o desfile dando fim à discriminação, e o regulamento foi aprovado pela União dos Blocos de Samba. O carnaval foi encerrado com a divulgação do vencedor: Grêmio Recreativo e Escola de Samba União da Esperança, de Custodópolis.

07.1.3 – 1980

O cronista carnavalesco mais importante daquela época era o radialista Nilson Maria Pessanha, que assinava uma coluna especializada. Em 1 de fevereiro, ele enalteceu os investimentos de CR$ 2,5 milhões para o carnaval, reportando anúncio do prefeito Raul David Linhares Corrêa que, ainda, oferecia prêmios em dinheiro para o melhor bloco de sujo e melhor folião fantasiado – uma tentativa de recuperar o (já naquela época) falido carnaval de rua, substituído pelos desfiles encarcerados nas avenidas “iluminadas”.
No dia 2, a manchete informava que o Bloco Dengoso do IPS homenagearia Chacrinha, o Velho Guerreiro, bem como o ainda Bloco Onça no Samba abriria seu desfile para enaltecer a figura de Beralício, fundador do Império do Samba, entidade que tinha sede à rua Teixeira de Melo, no Parque Leopoldina. Ao mesmo tempo, o carnavalesco João Barros Filho lamentava que o seu Bloco Canarinhos de Guarus tinha caído para o segundo grupo, perdendo a hegemonia para o Berimbau de Ouro.
Nilson Maria publicava, na edição do dia 5, uma raríssima foto dos sambistas Ataíde Dias e Amaro Pau de Graxa, ambos da Ala de Harmonia da Mocidade Louca. No dia seguinte, ele anuncia que, em função da Carta do Samba, passou a ser obrigatória a Ala de Baianas nos desfiles das escolas de samba.
O destaque no dia 6 era a bronca de Benedito Caetano. Ele protestava contra o tratamento dado aos cordões carnavalescos. Culpava o presidente da Federação das Pequenas Sociedades Carnavalescas, José Sartro Costa de menorizar as verbas para o seu Temor do Norte e, também, para os concorrentes Triunfo das Cores, de Moacir Ferreira; e Estrela de Ouro, do popular Arraia.
No dia 7, Nilson abria espaço para o carnaval de São Fidélis, inclusive publicando um belíssimo poema do samba-enredo do Unidos do Careca, cujo tema era a Serra do Sapateiro. Naquele tempo, segundo o registro, havia, ainda, no carnaval, desfiles de escolas, blocos de samba, blocos de embalo, cordões, ranchos e blocos de escudo. Tanto que, o carnaval daquele ano fora aberto pelo Clube do Frevo - Os Lenhadores -, dirigido pelo compositor Climeraldo Crespo Viana. Com um detalhe interessante: este frevo, o Rancho Chuveiro de Prata e o Bloco Prazer das Morenas, por falta de concorrentes desfilaram como vencedores do carnaval.
O colunista publica reportagem com a professora Mercedes Oliveira, a famosa Lourinha da Lapa de tantas tradições dos carnavais campistas. Na coluna do dia 10, Nilson Maria dá destaque às fantasias de algumas colunáveis, como Célia Cíntia Gazineu de Barros, Beth, Viviane e Lia Miriam Aquino, Ana Márcia Lisandro Ribeiro Gomes e Helena Bousquet.
O carnaval era encerrado com a publicação dos vencedores: União da Esperança, com a explosiva bronca do comerciante Amaury Azevedo, presidente da Unidos da Coroa que, segundo declarou, fez um carnaval para vencer seus concorrentes.

07.1.4 - 1981

O jornal Folha da Manhã do dia 2 de fevereiro, na página 8, publicava em sua capa a notícia de que a Prefeitura iria gastar cerca de Cr$ 7 milhões com o carnaval de rua. Nesta mesma data, Dagval Tavares de Brito, conhecido nos meios carnavalescos, alertava para o fato de que “as escolas de samba não sobrevivem sem paternalismo”, mostrando que os carnavalescos, de um modo geral, ficavam na dependência da verba da prefeitura para fazerem o seu carnaval.
No dia 5, o jornal divulgava, na página 6, que os compositores vitoriosos no Concurso de Melhores Sambas do Carnaval, estavam pedindo uma verba de Cr$ 10 mil, ao prefeito. Enquanto isso, o carnavalesco Silvio Arantes de Carvalho, o Russo, dava prazo para fechar a inscrição do concurso de samba-enredo Mocidade Louca. Outra figura destacada dos meios carnavalescos, o popular Jaburu, anunciava que a Ururau da Lapa iria chegar entre os primeiros do carnaval.
Faltando quinze dias para as comemorações carnavalescas, a secretaria de Turismo da Prefeitura anunciava que nada tinha a ver com a organização da comissão julgadora do carnaval, fato que preocupava os carnavalescos. Por outro lado, a Associação das Escolas de Samba convocava os seus filiados para definir o regulamento do desfile, mostrando que até mesmo a entidade não possuía vida efetiva para defini-lo com antecedência.
A manchete destacava no dia 7: “Esperança e Cedae escolhem hoje à noite sambas no Olavo Cardoso”. Diomar Rodrigues, o Carneiro, declarava que blocos e sambas estão prontos para o desfile. A Assembléia das escolas estava marcada para a próxima segunda-feira, para a escolha dos componentes da comissão julgadora.
No dia 9, Dagval perde no concurso de samba-enredo para Milton Nascimento, o Neguinho da Esperança e isso, segundo o noticiário, abre uma crise interna na escola de samba de Custodópolis. No mesmo dia, as escolas anunciavam uma reunião para definir o regulamento e o fato, também interessante, é que o Dr. Edson Coelho dos Santos ameaça deixar a direção da União da Esperança, ampliando, ainda mais, a crise naquela escola.
As arquibancadas iniciam sua montagem na segunda-feira, dia 10. O impasse na escola de Samba União da Esperança poderia ser encerrado hoje. O destaque dessa página ficou por conta do Presidente da AESC, que foi criticado pelos representantes da Escola de Samba Mocidade Louca.
O destaque do dia 11 foi o samba vencedor da União da Esperança, autoria de Neguinho. O afastamento do presidente da escola, Dr. Edson Coelho dos Santos, após o carnaval foi fato consumado. Na página 8, em outra matéria, foi noticiado que a Mocidade Louca nada tinha a ver com a crise ocorrida na escola União da Esperança. Na página seguinte, era publicada uma reportagem mostrando a difícil arte de bailar na avenida como mestre-sala.
Das notícias publicadas no mesmo jornal, no dia 12 de fevereiro, 13 dias antes do carnaval, a mais importante era a assembléia da principal entidade carnavalesca de Campos (AESC), que havia escolhido o corpo de jurados que iria trabalhar no carnaval, mas o fato não foi divulgado pela entidade. Ainda na mesma edição, o Dr. Edson Coelho dos Santos, mantinha de pé a sua opinião, em relação aos problemas da escola. E a Prefeitura iniciava a montagem das arquibancadas.
Faltando poucos dias para o carnaval, a escola de samba União da Esperança superava a crise. Somente no dia 13 é que o prefeito resolveu pagar outra parcela de verba pública para ajudar as sociedades carnavalescas.
O destaque das notícias publicadas no dia 18 de fevereiro foi o de que a escola de samba União da Esperança iria se apresentar com destaques do Rio de Janeiro para brigar com a Mocidade Louca. Na página seguinte, o samba criado por Wellington Nunes era reconhecido como o melhor do carnaval de Campos.
Finalmente, no dia 20 de fevereiro, véspera do carnaval, o Juizado de Menores divulgava todas as normas da folia e no dia seguinte o jornal publicava que o carnaval era aberto com a tradicional batalha de confete do bloco “Os Caveiras”, na rua 13 de maio. A escola vencedora foi a Mocidade Louca, surpreendendo as expectativas. O enredo foi “Festa do Divino Espírito Santo” e a agremiação do Morrinho contou com a participação e contribuição do popular Djalma Gibi, da Imperatriz Leopoldinense. O grande destaque da Mocidade foi a Ala dos Artistas, com mais de 100 componentes.

07.1.5 – 1982

A Folha da Manhã lançava, na edição do dia 4 de fevereiro, o seu famoso Troféu Felisminda Minha Nega, destinado a premiar os melhores: escola, bloco, passistas masculino e feminino, porta bandeira, mestre-sala, comissão de frente e destaque. O pessoal do folclore solicita a criação de um troféu para os bois pintadinhos. No dia seguinte, o mestre-sala Careca, da Mocidade Louca, declarava à coluna de Nilson Maria que ganharia um dos troféus oferecidos pela Folha da Manhã.
No dia 7, o jornal dedicou uma página inteira para Jorge da Paz Almeida e a manchete dizia: “Jorge Defende o carnaval pobre que o povo fez”. A reportagem fluiu de uma entrevista feita por Prata Tavares, João Vicente Alvarenga e o jornalista Orávio de Campos. Com foto de Hubert Turrini, vestido (a) de melindroso (a), a coluna anunciava a criação do bloco “Bonitinha Mas Ordinária”, que seria atração na Batalha dos Caveiras.
O bloco permaneceu anos e anos como atração da famosa batalha promovida pelo Lorde Broa, à época dirigente maior dos Caveiras. Era definido por homens travestidos de mulher, um modelo mais requintado dos denominados blocos das piranhas, que infestavam as praias de Campos, São Francisco e São João da Barra, com destaque do Bloco Boneca do Waldir, de Grussai.
Outra reportagem importante saiu no dia 10, com Joãozinho Quero Mais, um dos personagens surgidos da criação das escolas de samba. Ele foi mestre-sala da Mocidade Louca, mas, antes, fora baliza do bloco Felisminda Minha Nega. No dia 17, a matéria principal da página dizia: “Cambistas vendem ingressos antes de a Prefeitura abrir as bilheterias”. Isso deixava claro que o povo comprava os lugares nas arquibancadas e que já havia corrupção no meio carnavalescos.
Naquele ano, três batalhas de confetes estavam sendo anunciadas: Caveiras, na rua 13 de Maio; Psicodélicos, na rua Dr. Ultra e das Tintas Ypiranga, no Edifício Salete.
Naquele ano, A União da Esperança e o Ururau (ainda como bloco) venceram o carnaval. E a novidade: os cordões, o frevo, os blocos de escudo e os ranchos não voltaram mais à avenida, desaparecendo, prematuramente, da paisagem momesca.

07.1.6 – 1983

O noticiário do dia 1 de fevereiro dava destaque à posse do novo prefeito José Carlos Vieira Barbosa e a reportagem de capa do dia 4, da página 6 informava uma crise instalada na Mocidade Louca que, depois de ter sido considerada a campeoníssima, passou a amargar posições inferiores nos desfiles das escolas de samba.
No dia 5, mostrando o sucesso da Batalha dos Caveiras, o jornal informava que cerca de 10 mil pessoas compareceram à rua 13 de Maio, defronte à antiga sede social do Automóvel Clube Fluminense. Na edição do dia 8, o Bloco Ururau da Lapa anunciava que, em 1984, se transformaria em escola de samba. Na mesma página, outra matéria dava conta das reclamações de diretores de clubes sociais contra a proibição do uso do lança-perfume nos bailes de carnaval.
As arquibancadas armadas na avenida 15 de Novembro passaram a ser gratuitas, contrariando os famosos cambistas que, anualmente, atuavam à sombra da (des) organização da vendas dos lugares. A questão na época passava a ser vista como política populista do prefeito Zezé Barbosa. Outra novidade daquele ano era a realização do Banho à Fantasia promovido pelo Serviço Social do Comércio – SESC.
Foi lançado pela prefeitura o Troféu Abre-Alas. A coluna do dia 13 de fevereiro divulgava a comissão julgadora para a escolha dos melhores do carnaval. Os jornalistas Yolanda Valle, Luiz Mário Concebida e Orávio de Campos foram os escolhidos. O assessor da Unidos da Coroa, Dagval Tavares de Brito, a Raposa (título dado pelo Lorde Ziriguidum, do Jornal A Cidade), dava entrevista, criticando a União da Esperança, depois de salientar que “Carnaval se faz é com dinheiro”. No dia 16, Ururau festejava seu último desfile como bloco de samba. No dia 18, confirmava-se, com o anúncio do resultado, que Ururau se sagrara campeão da categoria e a Unidos da Coroa voltava a vencer um carnaval das escolas de samba.Dia 20 o jornal divulga um desfile especial dos campeões para a entrega do Troféu Abre-Alas e, no dia seguinte, na avenida 28 de Março, no Parque Tarcísio Miranda, para o recebimento dos troféus oferecidos pela TV Norte Fluminense, numa organização do cronista Nicolau Louzada com o apoio do deputado federal Alair Ferreira.

07.1.7 – 1984

Neste ano no governo de José Carlos Vieira Barbosa, a cidade de Campos passava por uma grave crive financeira e, por isso, a prefeitura decidira não investir no carnaval. Com a crise, renascia no carnaval campista boi pintadinhos, bonecos que são opções baratas do carnaval. Na edição do dia 23, a manchete apontava a falta de união dos sambistas.
A imprensa dos anos 80 dava total apoio aos desfiles carnavalescos. E em nenhum momento seus cronistas mantiveram uma visão crítica sobre a folia de momo. Foi na decadência do carnaval campista, observada a partir de 1984, que os carnavalescos passaram a apelar para homenagens aos políticos.

08 - OPINIÃO DOS COMPOSITORES

O brasileiro nutre pelo carnaval uma paixão, a exemplo do que acontece com o futebol. Por isso, quando o assunto é carnaval, as rivalidades falam mais alto e, cada qual, acredita que sua escola é melhor do que a outra. Desse modo, ao levantarmos a questão do excesso de enredos, homenageando políticos no carnaval, foi como acender o estopim de uma bomba.
Observamos cada qual defendendo a sua agremiação e a sua posição política a respeito do assunto, compondo a resposta de tal forma temerosos de serem contraditórios com relação às amizades que nutrem por esse ou aquele político.
Tanto que algumas respostas nos surpreenderam, quando, por exemplo, o radialista Ricardo Silva disse que “eu acho que as pessoas que têm ligação com as escolas de samba, não se importam se empresário ou político. O importante é que essas pessoas tenham um trabalho dentro da sua comunidade. Então, se a escola resolveu homenagear pessoas publicas é porque essas pessoas têm um trabalho social e eu não vejo nada contra, desde que a pessoa que está sendo homenageada tenha algo para se contar”.
No entanto, o presidente da Associação Campista dos Compositores, Francisco Pereira Caldas, ao receber uma homenagem no bar do Jaiminho, desabafou da seguinte forma: “Estão esbanjando, abusando dos poderes. Deixo claro que não sou contra a homenagem a político. Combato o excesso de políticos que estão sendo homenageados quando não têm história nenhuma no carnaval”.
Mas por outro lado, o presidente da Associação das Escolas de Samba, Ariel Chacar, que também já foi homenageado por uma escola de samba campista, declarou que, “eu não sou muito a favor, (...) as entidades precisam do seu recurso para fazer o carnaval, foi onde eles encontraram um encosto (...) um lugar que pudessem ter recursos fazer o carnaval. (...) temos escolas que tiravam os últimos lugares. Quando elas encostaram-se no político para receber uma parcela de ajuda, passaram a obter sucesso, crescendo dentro do carnaval”.
Wallace de Oliveira (Lorde Fofoca), conhecido radialista, ao ser indagado pelos pesquisadores foi enfático: “No carnaval quando os políticos são homenageados sou contra. Totalmente contra. Mas respeito a autonomia e a independência de cada escola, de bloco, de boi. Se nada existe que proíba, não há nenhuma irregularidade”.
O compositor Dalvino Costa mistura a religião com o carnaval, ao responder sobre o que é mais fácil fazer, se um samba político ou histórico. Ele respondeu que “o mais difícil é o marketing político, (...) porque acho que o compositor vive envolvido em poesia, poesia tão pura, que, pela essência, vem de Deus”. Mas, para Geraldo Gomes (Geraldo Gamboa), “o marketing político é muito mais fácil, pois a nossa responsabilidade para com a história é muito maior (...) porque no histórico é preciso pesquisar de maneira séria”.
Acreditávamos que eles fossem se opor a esses enredos que não passam de marketing e manipulação política “numa cidade que vive e respira política” como disse o radialista Maurício Menezes, quando aqui esteve palestrando no auditório do Senac, por conta do XI Seminário de Comunicação, no dia 17 de março deste ano. Em meio à polêmica levantada na avenida, no carnaval deste ano, sobre o tema em questão, percebemos que, da parte dos homenageados, as opiniões eram unânimes e todos afirmavam serem contrários aos enredos abordando o marketing político.
Nilson Maria Pessanha, radialista e homenageado pela Academia de Ritmos Onça no Samba, com o enredo “A Onça se vestiu de verde-rosa para homenagear Nilson Maria”, foi enfático ao opinar que, “eu particularmente sempre fui contra a utilização política do carnaval (...). No ano de eleição tem uma porção de enredo falando sobre político que é candidato a cargo eletivo. Sou contra o uso do marketing político dentro do carnaval. Sou contra, não aceito. Sempre fui contra, mas não é o meu caso, graças a Deus”.
Indagado em dois momentos pelos pesquisadores, Jaime Gabriel Nolasco Ribeiro, o Jaiminho, presidente do Ururau da Lapa mostrou, em 2006, como sua escola resolveu homenagear o ex-prefeito e ex-governador Anthony Garotinho: “Estamos falando do início de Garotinho, estamos focado na pessoa, estamos falando quando ele começou. Começou no rádio, narrando corrida de cavalo, falando sobre a casa da Lapa e a pracinha da Lapa, estamos falando sobre alguns trabalhos que ele fez como governador (...)”.
Em um segundo momento, em seu bar, quando realizava uma festa em homenagem ao presidente da Associação dos Compositores de Campos, explicou-me que “em nenhum momento fez homenagens a políticos em sua escola. Eu nunca homenageei político. Eu acho que as pessoas têm que homenagear a quem eles quiserem fazer homenagem, (...) ano passado eu fiz uma grande homenagem ao meu amigo Garotinho. As pessoas pensam que eu homenageei o político, mas eu fiz homenagem ao homem, à pessoa, à família, não ao político. Mas eu acho que quem homenageia ao político sabe o que está fazendo, sabe onde o sapato aperta. Eu não tenho nada contra quem homenageia a quem hoje é um político”.
Curiosamente, depois que o radialista Anthony Garotinho - que entre outras coisas também compunha sambas enredo -, alcançou o cargo eletivo de prefeito, é que os carnavalescos passaram a tematizar políticos como enredo de suas escolas. O ex-governador é o que podemos chamar de um campeão de temas em sua homenagem, porque só no ano passado recebeu homenagem de seis escolas de samba. No entanto, ao ser indagado sobre a sua posição quanto a esse fato, que vem ocorrendo no carnaval campista, ele foi enfático ao dizer que: “Olha, embora eu tenha sido homenageado por diversas vezes e por escolas diferentes, tanto aqui em Campos, como no Rio de Janeiro, sou radicalmente contra. Acho que devemos abordar nos desfiles das escolas temas históricos, temas que aproveitem para esclarecer, educar a população sobre fatos importantes, que aconteceram ou no nosso país ou nossa cidade (...)”.
Garotinho enfatizou ainda, que “hoje em dia a situação chegou num tal nível, em que pessoas sem a menor representatividade acabam sendo homenageadas porque ocupam cargo na prefeitura ou qualquer coisa parecida. Deveria haver uma certa intervenção do poder público, não no sentido de censurar, mas de orientar melhor para que elas coloquem temas que acrescentem aos participantes da escola e à comunidade envolvida com a escola (...)”.
Já o secretário de comunicação social, o jornalista Roberto Barbosa, explicou que ele não foi homenageado pela Unidos de Ururaí, mas apenas citado no enredo porque a escola mostrou como enredo o seu livro “Minha Aldeia, Minha Trincheira”. Além disso, ele disse ser contra os enredos personalistas. “Aquele enredo que homenageia pessoa em exercício de mandato, de função pública. Agora, se alguém homenagear político que já morreu eu não vejo nenhum problema. Por outro lado acho complicada a homenagem a um político no exercício do mandato quando ele está sujeito a inúmeras derrapadas que podem comprometer a sua história e sua biografia”.
Houve também quem expusesse a diferença entre homenagens e enredos de escolas, como Jorge da Paz Almeida. Por sua vez, o presidente da Associação de Imprensa Campista, jornalista Herbson Freitas, posicionou-se contra: “Acho que o carnaval é para abordar assuntos carnavalescos, fatos históricos. Sempre foi assim. Ele explicou que “antigamente, o carnaval era na base do livro de ouro. Os dirigentes das sociedades saíam pegando ajuda. Hoje a prefeitura dá uma verba e, às vezes, não atinge o necessário. Aí os carnavalescos são obrigados a prestar uma ou outra homenagem a um ou outro político, com o intuito de angariar fundos para que seu carnaval satisfaça na avenida”.
Em meio a tantas pessoas que foram entrevistadas na avenida sobre a questão do marketing político no carnaval, apenas a princesa do carnaval 2007, Renata Cruz, percebeu esse fato e declarou, “acho que o marketing político do carnaval só vem a favorecer ao político e não a nós carnavalescos”.

09 - ESPETACULARIZAÇÃO

Desde que os políticos romanos entenderam que é necessário dar “pão e circo” às classes menos aquinhoadas da sociedade, como forma de deixá-las inebriadas e distantes de qualquer forma de entendimento consciente, o que se vê hoje no carnaval campista é a manipulação dessa arte popular como forma de propaganda política.
Mas, assinale-se que as sociedades são culpadas, pois na busca por apoio financeiro suficiente para fazer o carnaval acabam abrindo espaços para o puxa-saquismo. E essa busca de verbas acabou virando um negócio, já que a prefeitura, segundo eles, não lhes dá subsídios suficientes para cobrir os custos do espetáculo.
Curiosamente, o artigo “Folia camuflada: o samba-enredo como cabo eleitoral”, de Bruna Panzarini e Marília Antonelli
[1], publicado no Anuário UNESCO/UMESP, (p. 187) demonstra que a prática exageradamente verificada no carnaval campista não é única e que, possivelmente, pelo interior desse país de dimensões continentais esteja acontecendo a mesma coisa. O exemplo do interior de São Paulo mostra que esta situação se repete praticamente no carnaval brasileiro.
Dessa maneira, entende-se que existe a necessidade do dinheiro para que as agremiações pudessem/possam colocar na avenida seus carnavais. Mas essas pessoas não conseguiam enxergar o fato de que esses padrinhos “monetários” também passavam a utilizar a moeda como uma mercadoria de troca.
Para DEBORD (1997, p. 34), “o espetáculo é a outra face do dinheiro: o equivalente geral abstrato de todas as mercadorias”. E continua dizendo também que “o dinheiro dominou a sociedade como representação da equivalência geral, isto é, do caráter intercambiável dos bens múltiplos, cujo uso permanecia incomparável”.
DEBORD (op. cit., p. 31) mostra, também, que na fase primitiva da acumulação capitalista “a economia política só vê no proletário o operário”, que deve receber o mínimo indispensável para conservar sua força de trabalho; jamais o considera “em seus lazeres, em sua humanidade”. Esse ponto de vista da classe dominante se inverte assim que o grau de abundância atingido na produção das mercadorias exige uma colaboração a mais por parte do operário”.
Se o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas mediadas por imagens, pode-se afirmar que o carnaval é o reflexo de uma relação lúdica, festiva e que da forma em que é feita, envolvendo interesses políticos, cria uma cumplicidade entre os homenageados e as sociedades carnavalescas. O autor (p.15), esclarece o assunto, da seguinte forma:

Não é possível fazer uma oposição abstrata entre o espetáculo e a atividade social efetiva: esse desdobramento também é desdobrado. O espetáculo que inverte o real é efetivamente um produto. Ao mesmo tempo, a realidade vivida é materialmente invadida pela contemplação do espetáculo e retoma em si a ordem espetacular à qual adere de forma positiva. A realidade objetiva está presente dos dois lados. Assim, estabelecida cada noção só se fundamenta em sua passagem para o posto: a realidade surge no espetáculo, e o espetáculo é real.Essa alienação recíproca é a essência e a base da sociedade existente (...).

O carnaval é uma grande ópera popular e poderia ser mais interessante se desenvolvesse enredo de natureza pedagógica, como o sentido de oferecer à população informações mais precisas sobre temas históricos (origem de todas as escolas de samba). Como espetáculo, fica mais frágil na medida em que os temas passaram a adotar temáticas políticas em troca de esquemas financeiros que lhes garanta os recursos necessários para a grande apresentação carnavalesca.
Para a população, pouco importa o tema, se determinada agremiação escolhe um político para homenagear. O importante é (repete-se) o espetáculo. No fundo, o marketing feito somente durante o carnaval, desfaz-se como bolha de sabão. O pior é que os beneficiados vão, a qualquer hora, que os investimentos não são compensatórios e que, tese, melhor é direcionar suas campanhas para outras instâncias da comunicação.
[1] PANZARINI, Bruna; ANTONELLI, Marília, “Folia camuflada: o samba-enredo como cabo eleitoral”, São Paulo: Anuário UNESCO/UMESP, 1977.

09.1 - Palco da avenida

Surpreendidos pela maneira com que o carnaval 2007 em Campos vinha sendo preparado, com calendário, horários e regulamento previamente anunciados pelos coordenadores e, também, pelos veículos de comunicação, fomos para a Avenida XV de Novembro, para acompanhar os desfiles das escolas de samba do grupo especial, que foram realizados segunda e terça-feira de carnaval, dias 19 e 20 de fevereiro.
Na segunda-feira, registramos, com espanto, a pontualidade das escolas que entraram na avenida. Fato tão combatido pela imprensa e também por algumas pessoas ligadas as escolas de samba, que viam no constante atraso a diminuição de espectadores para assistir aos desfiles das escolas.
Em contrapartida, as praias da região, notadamente as de São João da Barra (mais próxima do município de Campos) e a do Farol de São Tomé (a praia dos campistas), se enchiam para ver os artistas baianos, se exibindo em trios elétricos, com sons altíssimos.
Como no primeiro dia de desfile, não haveria a apresentação de nenhuma escola com enredo de teor político, aproveitamos o momento para fazer as entrevistas necessárias ao tema que estamos abordando e pudemos assim ouvir diversas pessoas ligadas ao carnaval, como alguns dos coordenadores, Carlos Vasquez, Antônio Roberto Góes Cavalcanti (Kapí) e da gerente de cultura Maria Cristina Torres Lima, além do presidente da Fundação Teatro Trianon, Nilson Maria (que seria homenageado, no dia seguinte, pela Onça no Samba); o presidente da Associação das Escolas de Samba de Campos, Ariel Chacar; os diretores da União dos Blocos de Samba, que também são radialistas, Wallace de Oliveira e Ricardo Silva; o rei Momo 2007, Sérgio Guzulo; o príncipe do samba, Jean Carlos; e as princesas, Gilsiara Adriana e Renata Cruz e os artistas, Eleonora Souza e Arturo Suescon (este da Colômbia), que vivem do carnaval, mostrando o ritmo e o gingado brasileiro em shows pelo Brasil e Colômbia.
Mas como “alegria de pobre dura pouco”, o que parecia impossível (no primeiro dia) aconteceu. A última escola – Acadêmicos do Cidade Luz não se apresentou para desfilar e muito menos alegou um motivo pela desistência da apresentação.
No segundo dia, voltamos para a avenida, com a esperança de que tudo corresse às mil maravilhas, esquecendo do que aconteceu no final do desfile do dia anterior. Ao chegar na Avenida XV de Novembro, por volta das 19 horas, mais uma surpresa, a escola Ás de Ouro, que deveria ser a última a desfilar nessa noite, resolveu antecipar todo o seu desfile e pegou a muitos espectadores de surpresa, porque nesse horário ela já estava na metade do seu desfile apresentando um samba em homenagem a um antigo carnavalesco da escola e mais conhecido como Zé 21.
A explicação dada pelo carnavalesco da escola, Roney Brandão, sobre o tema do enredo foi “porque ele foi um marceneiro que trabalhou comigo em várias agremiações e a última que o fez foi aqui. Daí nós resolvemos fazer essa homenagem a ele, por ser uma pessoa muito bacana com a gente”.
Ao fim do desfile dessa escola, resolvemos então ir até à concentração das escolas para aproveitar o tempo e, além disso como as escolas estavam se comportando na arrumação. Aproveitávamos para fazer as entrevistas que faltavam para a edição do nosso documentário.
A escola seguinte, a Boi Sapatão, trazia um enredo em homenagem a outra pessoa da comunidade, um comerciante conhecido por “Olavinho”, reconhecidamente candidato à vereança nas próximas eleições. O carnavalesco da escola e colunista social, Cidinho Ramos, encontrado antes do homenageado, explicou o porquê do tema da escola:
- Ele tem se tornado uma pessoa muito popular e querida do povão. Depois a gente tem notado que ele está em ascensão. Por isso, resolvemos fazer essa homenagem. E eu fiz até uma brincadeira porque ele é do signo de leão. E sonhar com rei dá leão de Joãozinho Trinta. E acabou que Joãozinho Trinta é meu amigo e eu sou discípulo dele. A escola está linda (...). Vamos ver o que acontece porque a avenida é um espetáculo.
Cabe aqui relatar que um dos pesquisadores esteve bem próximo do carnavalesco Joãozinho Trinta e tentava entrevistá-lo, mas, ao ser informado de que ele havia sofrido de um AVC, o pesquisador resolveu então não entrevistá-lo, já que em meio ao tumulto, o carnavalesco que ainda convalescia poderia não compreender o sentido da pergunta e o tema desse trabalho. Aliás, vale ressaltar que o carnavalesco sequer foi entrevistado por uma das duas emissoras de televisão abertas que estavam na avenida fazendo apenas flashes do carnaval campista.
Logo em seguida, encontramos o homenageado Olavinho e, então, aconteceu o inesperado. Fomos surpreendidos por dois fatos: o primeiro foi o atraso da escola e o segundo, a irritação do homenageado, que nos recebeu com os nervos à flor da pele. Vendo um microfone em sua direção, ele então desabafou: “olha só, primeiramente tenho que dizer que eu estou frustrado. Meu prazer por esta homenagem é imensa. Estou frustrado porque nossa escola está atrasada, não sei o que vai acontecer. A minha parte, que é a parte do homenageado, foi feita”.
E continuou sua reclamação: “meu compromisso foi cumprido, só que o presidente e o carnavalesco não falaram a mesma língua. Desde o início eu senti isso e deu no que está dando, estamos atrasados com nosso carnaval, já perdemos cinco pontos, não sei se vamos começar na avenida porque tem 15 minutos para desfilar. Eu antes, em todas as entrevistas, dizia que me sentia maravilhado porque é uma coisa para mim de outro mundo. Seria mais uma coisa da minha história de vida, mas estou frustrado porque a escola não vai... Está bonita a escola. Foi preparada para ganhar o carnaval e não vamos ganhar porque nós pecamos nessa questão de carnavalesco e presidente não falarem a mesma língua”. Mesmo assim, a escola entrou na avenida e pode enfim mostrar todo o seu enredo.
Por outro lado, em uma das cabines, indagada sobre o que achava dessas escolas que mostram enredos em homenagem a pessoas que ocupam cargos políticos, a gerente de cultura do município, Maria Cristina Torres Lima, disse que “é uma coisa que pode e deve ser evitada, porque me parece que é uma coisa que chega próxima à busca de patrocínio, de alguma vantagem financeira. Eu acho que o município é um município rico na sua história, tem características na culinária muito específicas, no artesanato, em tudo aqui. O município tem muito argumento que poderia servir de samba-enredo ou de tema para um enredo de escola de samba. O que eu acho que está faltando é justamente despertar, nas pessoas responsáveis por esses sambas-enredo, essa visão”.
De acordo com o cronograma da coordenação do carnaval, após a apresentação do Boi Sapatão, o público pôde acompanhar o desfile da escola de samba Os Independentes, que também prestou homenagem a uma pessoa da comunidade. O homenageado era Jorge Ferreira Lobo, mais conhecido como Lobinho. De acordo com informações, ele é campista, viveu muitos anos fora do município e, ao retornar, acabou recebendo a homenagem da comunidade e da escola de samba.
Ao ser informado de que o carnaval em Campos vem sofrendo a influência dos políticos locais, que fazem um verdadeiro merchandising de suas imagens junto às comunidades e ao público em geral e também vêm (des) construindo a imagem de que o carnaval é uma festa popular, Jorge declarou que “homenagearam Nilson Maria, um grande nome, uma pessoa íntegra. Homenagearam Roberto Barbosa, vai entrar agora aí. Roberto é um cara bom, parceiro. Homenagearam também o Olavinho. Eu acho que foram grandes homenagens, porque nós temos que aprender a valorizar a prata da casa. Eu não concordo em trazer puxador de samba de outros municípios, trazer outras pessoas para desfilar, porque nós temos pessoas capacitadas para fazer um bom carnaval”.
As críticas de Jorge (e grifadas por nós) são relativas ao compositor e puxador de samba Jorginho do Império, que veio cantar o samba da escola Onça no Samba, que homenageava o presidente da Fundação Teatro Trianon, Nilson Maria. Quanto às outras pessoas a referência era em relação ao Boi Sapatão, que além de trazer Joãozinho Trinta e Maria Alcina, trouxe também alguns passistas e foliões de fora.
Ele ainda complementou as informações mostrando quem estava na avenida e quem não estava. “Olha só aqui na avenida! Não vem ninguém rico! Aqui vem o povo carente. Vem o povo que não tem condição para ir para as praias, porque o rico não fica na avenida, não! O rico vai para a praia e o povo pobre, carente, humilde, é que vem para ver o grande carnaval. E eu observei que os nossos políticos, não dão nenhuma moral ao nosso carnaval, porque eu não vi na avenida nem sequer um vereador aqui. Eu não vi”.
A escola seguinte, a Acadêmicos de Santa Cruz, foi dessas que entraram, passaram, foram embora e ninguém percebeu o que ela queria mostrar. Na verdade, o seu tema era em homenagem à ex-governadora Rosinha Garotinho, mas como ela já havia anunciado que não iria assistir ao desfile, por ser evangélica (fato contraditório, pois em 2004 foi homenageada pela Ás de Ouro, assistiu ao desfile no camarote e no final ela acabou se rendendo ao desfile da escola e se juntou aos últimos passistas para encerrar o desfile). A escola resolveu então fazer o seu desfile sem o devido brilhantismo. Passando pela avenida como se estivesse apenas cumprindo com o seu papel e se manter no grupo.
Depois da Acadêmicos de Santa Cruz, viria a Unidos de Ururaí. E foi aí que tudo aconteceu. Se até então o desfile transcorria bem, com as escolas entrando nos seus respectivos horários, o mesmo não aconteceu com a Ururaí. A escola trazia como enredo o livro “Minha Aldeia, Minha Trincheira”, do jornalista e secretário de comunicação da prefeitura Roberto Barbosa. A vontade de mostrar o desfile dessa escola era muito grande, mas infelizmente aconteceu o que ninguém poderia imaginar. O carnavalesco da escola, Rubinho Chebabe acabou fazendo um carro maior do que o permitido e, como conseqüência, não conseguiu chegar nem na concentração. O tempo escoava e, com isso, a escola perdia os seus pontos de concentração, já anunciados pelo coordenador do carnaval.
Roberto resolveu, então, chamar o coordenador do carnaval, para negociar uma saída para não prejudicar a escola, mas já era tarde. Kapí ficou irredutível e o público infelizmente acabou sofrendo com a espera.
Enquanto a próxima escola, a Ururau da Lapa, se preparava para entrar na avenida, o coordenador do carnaval relatava o que havia acontecido com a Unidos de Ururaí: “Rolou que os carros feitos pelo carnavalesco Chebabe eram maiores que a avenida. Então está com essa dificuldade de chegar. Mas obedecendo ao regulamento, foi desclassificada a Unidos de Ururaí e, agora, temos a Ururau da Lapa entrando no seu horário devido”.
A escola de samba Ururau da Lapa não iria mostrar em seu enredo, homenagens a políticos, mas sim reviver um antigo samba criado por Waldo Pessanha, pai do presidente Jaime Gabriel Nolasco Ribeiro. A poucos metros dali e, aproximadamente pouco depois das 2 horas e 20 minutos, um dos pesquisadores pôde assistir a uma cena lamentável. Um bando de aproximadamente 35 adolescentes, na faixa dos seus 14 a 17 anos, tentava se aproximar dos passistas da escola, para, logicamente, criar tumulto e prejudicar o desfile da mais tradicional escola de samba de Campos.
Vale frisar que, apesar do seu tamanho, o município de Campos também vive seus problemas domésticos em relação ao tráfico de drogas e duas favelas, localizadas em pontos diametralmente opostos, tentam de todas as formas controlar a venda no município. E até mesmo em eventos como o carnaval e os desfiles cívicos do dia 28 de Março (aniversário da cidade) e do 7 de Setembro são alvos preferidos dessas gangues, que procuram arranjar um pretexto para criar brigas, confusões e problemas com a Polícia Militar e causar transtornos para a população.
Naquele pequeno espaço da confluência das ruas Barão da Lagoa Dourada e Avenida XV de Novembro, os adolescentes demonstravam audácia diante de apenas 10 a 12 policiais. Mas, felizmente, nada de pior aconteceu e a PM conseguiu colocar o grupo para correr dali, deixando os espectadores diante do espetáculo da Ururau da Lapa. O desfile dessa escola, como sempre, foi tão empolgante, que “levantou as arquibancadas”, fez o público delirar e o resultado não poderia ser outro, a vitória.
Depois da Ururau da Lapa, foi a vez da União da Esperança entrar na avenida e mostrar ao público as belezas de São Fidélis. Como o tema era relativo a um município vizinho é claro que o prefeito da referida cidade, Davi Loureiro, compareceu à Avenida XV de Novembro para mostrar os encantos da cidade-poema.
Sobre essa homenagem, o prefeito disse que “o povo de São Fidélis está muito feliz, apesar da tristeza que está vivendo toda região, por causa das chuvas. A União da Esperança, com o carnaval e a cultura popular, que é uma tradição do nosso povo, com uma forma de homenagear a nossa cidade, contando a nossa história, a gente fica muito feliz e, isso, com certeza, está sendo motivo de orgulho para o povo fidelense, que ajudou a dar uma levantada na auto-estima da nossa cidade que, como Campos, andou sofrendo com o problema das enchentes (...)”.
Minutos antes de se integrar à escola de Ururaí, juntamente com seu amigo, Roberto Barbosa, o professor de história Marcelo Sampaio deu a sua opinião sobre a polêmica causada pelos políticos locais, que vivem procurando as escolas de samba com fins de se promoverem. Disse Marcelo: “Olha! Particularmente eu acho que uma homenagem a um político com mandato não é algo muito ético, nem muito interessante. Mas acho que ninguém tem o direito de interferir na escolha de um enredo. Uma agremiação carnavalesca ela deve ter liberdade para fazer o enredo que achar melhor. Agora, acho que enredos históricos, enredos com mais subsídios são melhores”.
Em seguida, cumprindo apenas com o regulamento, a Unidos de Ururaí entrou na avenida para cumprir com sua obrigação. Indagado sobre os problemas ocorridos com a escola, o secretário de comunicação Roberto Barbosa declarou: “Só fomos atropelados por um incidente lamentável, o carnavalesco abandonou o carnaval e não sabemos porquê. Há outro carnavalesco que assumiu nas últimas 24 horas e nós estamos desfilando por honra da comunidade. Demais estávamos com carnaval para brigar pelo título, mas nem por isso vamos perder o entusiasmo. Vamos desfilar como se fosse de verdade”.
Quem ainda estava na avenida para assistir ao último desfile do carnaval 2007, viu um belo espetáculo. O ponto alto do desfile da Unidos de Ururaí foi quando a porta-bandeira, após ter passado pelo palanque oficial, onde estavam os jurados, resolveu solicitar ajuda de uma acompanhante, retirando os seus sapatos. Livre dos mesmos ela não fez por menos, e deram um verdadeiro show de samba, rodopiando com sua bandeira e os pés descalços em uma avenida asfaltada e cujo piso poderia logicamente causar-lhe sérios problemas físicos. Mas não foi o que se viu. Com empolgação e ânimo renovado, ela rodopiava como se estivesse em um piso bem menos abrasivo, apesar do adiantado da hora. Passava das quatro da madrugada.
Sobre os fatos que aconteceram no carnaval desse ano, enquanto alguns foram críticos em afirmar que são contra esse tipo de enredo nas escolas de samba, outras pessoas se posicionaram de forma positiva, achando que a polêmica é irrelevante. É claro que, ao analisarmos as respostas de cada um, pudemos perceber um misto de ingenuidade de alguns e um jeito político para se defender e evitar futuros problemas, por parte de outros.
Para o radialista Wallace de Oliveira, o carnaval desse ano “melhorou com mais qualidade não só dos blocos, como das escolas de samba. A Mocidade Louca deu a volta por cima, independente do resultado se será campeã ou não do grupo de acesso. Eu acho que nós temos condições de melhorar e com o sambódromo que, segundo o prefeito, será uma realidade a partir de 2008, aquelas sociedades que não se organizarem a tendência delas será desaparecerem”.
O presidente da Fundação Teatro Trianon, Nilson Maria, que foi homenageado pela Onça no Samba declarou: “Eu, particularmente, sempre fui contra a utilização política do carnaval. No caso específico, eu nunca pleiteei homenagem de espécie alguma. Nunca pedi. Algumas escolas já tentaram me ter como enredo, eu nunca aceitei, cedi esse ano ao argumento irrefutável de Xuxa Caetano, mas tenho a tranqüilidade de receber essa homenagem e saber, e poder encher a boca e dizer que eu não estou usando isso como objetivo político de forma alguma. Eu não sou candidato a cargo eletivo, nunca fui, não pretendo ser e recebo isso como uma demonstração de carinho do público carnavalesco dessa cidade, a quem eu também considero muito”.
Apesar do trabalho de coordenador do carnaval e das muitas idas e vindas da concentração até o palanque oficial em sua pequena motoneta, o coordenador do carnaval ainda teve tempo de opinar sobre as escolas de samba, que ano após ano mostram enredos em homenagem a políticos. Sobre isso ele disse que “é pouca criatividade das agremiações e, também, de interesse financeiro, porque geralmente a homenagem a essas pessoas tem o apoio financeiro. Essas pessoas geralmente apóiam financeiramente. Eu acho lastimável, em detrimento de um projeto cultural de apresentar um carnaval com temas culturais, que é o que justifica o carnaval na avenida”.
Entre os muitos entrevistados, um dos coordenadores do carnaval, Carlos Vasquez, argentino de nascimento e apaixonado pelo carnaval brasileiro, além de tecer suas considerações sobre o marketing político ainda fez uma observação interessante, “o político procura a entidade e é por causa de política. Você pode ver que nesse ano não tem eleição de perto, não tem homenagem a político. Eu, como pessoa, sou contra. Como carnavalesco que eu sou e que gosto de um espetáculo bonito, acho que qualquer pessoa pode ajudar e isso é válido. Mas seria muito melhor a prefeitura dar uma verba melhor para a agremiação não precisar de ajuda de fora”.
Depois do carnaval, quando os jornais voltaram a circular, enquanto a expectativa na quarta-feira de cinzas era pelo resultado do vencedor do carnaval campista, o colunista do jornal Folha da Manhã, Saulo Pessanha, publicava, em sua coluna, algumas notas sobre o carnaval campista.
No dia 25 de fevereiro, na página 8, com o título “Dá um enredo?”, Saulo escrevia: “Nem todos os homenageados no carnaval em Campos rendem um bom enredo. Gente ligada às entidades não faz segredo: admite que, hoje, o que se busca é um tema capaz de ‘bancar’ o desfile. Mas esta não é uma prática local. No Rio, há escolas que buscam enredos que gerem dinheiro. A Imperatriz é uma delas”. Ainda na mesma página e em seguida, com o título: “Vale a homenagem”, Saulo noticiava, “para 2008, já se sabe que a Mocidade Louca, que volta ao Grupo Especial das Escolas de Samba, vai ter como enredo Nelcimar Pires. Está aí uma escolha para ser festejada. Nelcimar, que projeta o nome da cidade no carnaval do Rio – é pentacampeão no concurso de fantasias do Hotel Glória – merece ser homenageado no carnaval de sua terra”.
Em seguida, ele completava a nota anterior a esta cujo título é “Quer o título”. A nota estava escrita assim “como tema de enredo, Nelcimar quer, lógico, a Mocidade preparando um desfile para levantar o título. Daí que, acostumado com vitórias, o estilista vai se empenhar junto à comunidade do Morrinho – ali, no prolongamento da Lacerda Sobrinho – no trabalho pré-carnavalesco”.
Dois dias depois, 27 de fevereiro, dessa vez na página 4 do mesmo jornal, Saulo Pessanha escrevia mais notas sobre o carnaval, das quais iremos transcrever os três primeiros, pois as duas últimas são relativas a atos falhos da imprensa em relação ao carnaval de 2007. Na primeira nota com o título de “Só elogios”, ele escrevia “o filho pode ser feio. Mas os pais são só elogios. Quem não assistiu à apresentação das escolas, blocos e bois pintadinhos na Av. 15 de Novembro, mas ouviu as entrevistas de dirigentes das instituições e do pessoal que coordenou o carnaval, está convencido de que perdeu um grande espetáculo. O que se dourou a pílula...”.
A nota seguinte tinha como título “A propósito...” e o teor era este: “Sobre o carnaval de Campos, Joca Muylaert, que é o diretor da Biblioteca Nilo Peçanha, num bate-papo com o maestro Ethmar Filho, comentou que a Madureira do Turfe desfilou sem bateria. “No Rio, a Viradouro inovou, exibindo duas baterias. Uma delas não teria sido a da escola de Campos?”, devolveu Ethmar”.
Em seguida, com o título “Aluguel”, Saulo complementava a nota anterior com esta informação, “mas não foi só a Madureira do Turfe que desfilou sem bateria. O ato falho envolveu um boi pintadinho. O motivo, segundo o pessoal mais chegado ao carnaval, é que nos últimos anos passou-se a alugar baterias. Nos casos específicos, diante da falta do pagamento antecipado, teria havido a recusa de entrada na avenida”.
Conhecido entre seus colegas de imprensa, Saulo ao que parece, vai na contramão daquilo que muitos combatem, o enredo que trata de homenagens a pessoas públicas – Nelcimar é apenas um costureiro, que venceu 5 vezes o concurso de fantasias -, mas e daí? Como ficaria um enredo em homenagem a ele? Que outras informações seriam necessárias para preencher um enredo e um samba? Ficaria apenas nisso?
Pois bem, em relação às notas do dia 27 – Saulo que não foi visto na avenida -, relatou algo que vem acontecendo inclusive em desfiles cívicos – o aluguel de baterias. Aliás, o próprio presidente da AESC, Ariel Chacar, comentou que no carnaval a expectativa de pessoas que estão desempregadas é muito grande, porque é nos dias que antecedem à festa, que eles têm oportunidade de arregimentar forças e conseguir algum dinheiro extra, pois a maioria dos que trabalham nos barracões das escolas é de desempregados, que aproveitam esse momento para saírem do sufoco e das dificuldades. Nos desfiles carnavalescos cariocas, alguns foliões desfilam em mais de uma escola, seja por amor à escola, por carinho, ou pela simples vontade de sambar e desfilar na Marquês de Sapucaí. Além do aluguel de baterias, observa-se ainda, uma outra vertente que até então passava despercebida – o aluguel de passistas. Tudo porque, em meio a um dos desfiles, uma verdadeira multidão de passistas e foliões, que haviam desfilado na escola anterior, voltava pela mesma Avenida XV de Novembro, em direção à concentração, para então desfilar pela escola seguinte.