domingo, 27 de janeiro de 2008

03 - PARA QUE SERVE A IMPRENSA?

Dois fatos são fundamentais para o início do jornalismo brasileiro: o primeiro é a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil e o segundo é a impressão do jornal Correio Braziliense, feita por Hipólito José da Costa Pereira Furtado, na Inglaterra.
Sobre o primeiro fato não iremos nos aprofundar até porque a história é conhecida e perderíamos muito tempo em contar algo sobre esse registro. Mas, quanto ao segundo, o jornalista e escritor BAHIA (1972, p. 56), nos conta que,

Certo que, pouco antes e nesse mesmo ano (1808), Hipólito da Costa fazia circular aqui o Correio Braziliense, editado em Londres, mas era manifestação de jornalismo brasileiro fora de nossas fronteiras, ainda que refletindo da primeira à última página assuntos e temas do interesse nacional.

O jornal teve circulação freqüente de 1808 até 1822, com 175 números e páginas com os seguintes assuntos: política, comércio e arte, literatura e ciências e miscelânea. Ao todo, teve cerca de 90 a 150 páginas somando 29 volumes. O que poucos imaginam é que Hipólito lutava, com seu mensário, por princípios democráticos, contra o obscurantismo e o despotismo. Lutava por reformas de base no sistema administrativo e queria a emancipação política do Brasil.
Como um repórter ávido de notícias extraordinárias, lamentava-se no número de agosto de 1809: “eu tenho esperado de mês em mês poder publicar ao mundo as reformas úteis que se façam à bem do povo, melhorando a forma de governo no Brasil, mas de mês a mês se frustram as minhas esperanças”. Mais tarde, condenando Lisboa por intervir negativamente a ponto de estancar o progresso do Brasil, observava: “precisamos de um Conselho de Minas, uma inspeção para a abertura de estradas, uma redação de mapas, um exame de navegação de rios... mas nada disto se arranja porque não aparecem tais coisas no almanaque de Lisboa”.
De acordo com Bahia, ainda em 1811, Hipólito publicava,

Não cessamos nem cessaremos de continuar nestes clamores porque estamos persuadidos de sua necessidade absoluta, e que sem se cuidar nesta reforma seriamente, tudo vai perdido no Brasil. (...) No Brasil, seguindo o sistema de Portugal, envolve-se tudo que diz respeito ao erário com um véu do mais profundo segredo, e a ninguém, ninguém absolutamente, é permitido examinar as contas públicas e, portanto, está na porta fechada a todo remédio.

O Correio Braziliense desejava para o Brasil, instituições liberais e melhores condições políticas. Desde 1820, foi concedido a esse órgão o direito de circular pelo Brasil, mas com o surgimento de outros jornais, esse objetivo não foi posto em prática. Acabou desaparecendo em 1822, com a Independência do Brasil e, com o aumento desse movimento no país, foi sendo superado e esquecido pelos leitores.
Mas por que começamos a falar sobre Hipólito da Costa? Porque o editorial publicado, na primeira edição do Correio Braziliense, possui tanta profundidade em seu conteúdo, que serve como um ensinamento a todos aqueles que desejam fazer do jornalismo o seu ideal. Nessa edição Hipólito publicava o seguinte,

O primeiro dever do homem em sociedade é ser útil aos membros dela; e cada um deve, segundo as suas forças físicas e morais, administrar, em benefício da mesma, os conhecimentos ou talentos que a natureza, a arte ou a educação lhe prestou. O indivíduo que abrange o bem geral de uma sociedade, vem a ser o membro mais distinto dela: as luzes que ele espalha tiram das trevas ou da ilusão aqueles que a ignorância precipitou no labirinto da apatia, da inépcia e do engano. Ninguém mais útil, pois, do que aquele que se destina a mostrar, com evidência, os acontecimentos do presente e desenvolver as sombras do futuro. Tal tem sido o trabalho dos redatores das folhas públicas, quando estes, munidos de uma crítica sã e de uma censura adequada, representam os fatos do momento, as reflexões sobre o passado e as sólidas conjecturas sobre o futuro.

Portanto, desde o início Hipólito já pregava a existência de uma imprensa imparcial e consubstanciada na ética dos valores morais, cujo objetivo principal era o de noticiar e publicar os fatos ocorridos em seu tempo, registrando e clareando as mentes daqueles que já dominavam o saber.
No século passado, Ruy Barbosa, figura destacada da nossa história, também tecia considerações sobre os deveres da imprensa. Na conferência “A Imprensa e o Dever da Verdade”, realizada na Bahia, em 1920, em benefício do Abrigo dos Filhos do Povo, ele declarou que “a imprensa é a vista da nação”. E acrescenta que “por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe mal fazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça”.
Ruy também alertava quanto aos problemas causados por uma imprensa mercantilista e completamente distante daquilo que pregava Hipólito da Costa e ele próprio afirma que um país de imprensa degenerada ou degenerescente é, portanto, um país cego e um país miasmado, “um país de idéias falsas e sentimentos pervertidos, um país, que, explorado na sua consciência, não poderá lutar com os vícios, que lhe exploram as instituições”.
Por quê? Porque houve um período da história que a imprensa se arvorou em ser o Quarto Poder, vigiando e controlando os passos dos outros três poderes constituídos da Nação. Porque, também, esses jornalistas se colocavam acima de um poder que não tinham, e abusavam das baixarias e dos ataques contra os atos dos seus governantes, esquecendo-se dos seus deveres e das suas obrigações morais e éticas perante o seu público leitor.
Entretanto, o escritor Alceu Amoroso Lima apud Waldemar Lopes in Luiz Beltrão preceitua que “a grande finalidade moral e social do jornalista (...) vai além da finalidade puramente informativa. O jornalista medíocre informa por informar; o autêntico jornalista informa para formar”.
Isso explica porque vemos hoje tantos homens que se arvoram como jornalistas cometendo erros quanto ao conteúdo e deformando os fatos para criarem falsas idéias e falsos conceitos, jogando na escuridão leitores ávidos pela melhor informação e que acabam absorvendo essas notícias como se elas fossem verdadeiras.
Por outro lado, Zuenir Ventura informa que a imprensa está passando por uma crise e que essa crise pode ser depressiva, paralisante, mas também pode ser progressiva, transformadora, que resultará em sua maturidade. Dentro das questões éticas, ele frisa que os jornalistas têm sido inconseqüentes quando promovem julgamentos éticos de todas as instituições brasileiras para então falar mal dela própria. Utilizam meios ilícitos na obtenção de informações não autorizadas ou consentidas sem o controle da Justiça.
Para Zuenir, o interesse público é que deveria ditar o nosso comportamento e estabelecer a extensão e os limites da nossa liberdade de ação, para que o jornalismo tenha autocontrole, auto-regulamentação, autocrítica e ética. Já que ele é tão rigoroso com pessoas e instituições, fiscalizando, cobrando e patrulhando, deveria ser rigoroso consigo mesmo. Mas desde que não fosse necessário desmentir ou publicar correções já impressas.
Além disso, a crise na imprensa não é só de ética, editorial e conceitual, mas de palavra também. Já que a língua portuguesa não vem sendo bem tratada nas redações e como diz Otávio Paz, Prêmio Nobel de Literatura, “quando uma sociedade se corrompe, a primeira coisa que degrada é a linguagem”.
O pior é que essa degradação está em toda parte e há um desrespeito generalizado, bem como desprezo e descrença na língua portuguesa. Zuenir é enfático quando diz também que a imprensa em vez de aprimorar o texto para enfrentar a televisão, resolveu sacrificar a gramática diminuindo sua importância, descuidando-se de sua qualidade e restringindo o seu espaço, ao mesmo tempo em que considera que a solução “é dar menos texto em lugar de melhor”.
No entanto, enquanto alguns parlamentares consideram que só com a censura a imprensa irá melhorar Zuenir nos informa que esse tipo de remédio já foi experimentado e o resultado foi o que vimos a imprensa e o país ficaram piores. Mas conclui, repetindo uma frase (dizem) do Imperador D. Pedro II: “Contra os abusos da liberdade de imprensa, só há um remédio: mais liberdade de imprensa”.
Em tese, a imprensa serve para divulgar os fatos importantes de interesse da sociedade e teria a obrigação de revelar um olhar crítico sobre o que considera, em nome do povo, equivocado. Como, por exemplo, o uso exagerado de enredo em que os políticos e funcionários, encastelados no poder, passam a ser os atores principais das tramas carnavalescas. Tudo em detrimento dos valores pertinentes à história nacional.
URBAN (2004, p. 151), esclarece que a função do jornalismo de fazer a conexão entre os fatos e a sociedade é de extrema responsabilidade. “Ele tem uma função social, porque aquilo que lhe chega como cópia da realidade ganha uma interpretação própria. (...) O jornalismo é uma ponte que pode matar ou fazer viver; pode derrubar governos ou construir sociedades”.

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