domingo, 27 de janeiro de 2008

01 - INTRODUÇÃO

Resolvemos escolher esse tema para desenvolver o nosso trabalho de conclusão de curso, tendo como objetivo legar um importante registro à posteridade sobre o momento que estamos vivenciando no carnaval da cidade de Campos dos Goytacazes, no norte fluminense, por constatar que a manifestação como arte, cultura e expressão popular vem mudando sua forma de produção, sofrendo a influência dos meios políticos e ideológicos, embora ocorram posições contrárias por parte de pessoas antenadas com os verdadeiros objetivos das festas que, originalmente, estavam muito mais ligadas à história do Brasil.
Por outro lado, há de se ressaltar que a verdadeira história do carnaval campista, em termos de contemporaneidade, encontra-se na memória de seus cultores e, na maioria das vezes, por questões políticas, não encontram meios de divulgação, permanecendo e encontrando-se somente na cabeça dos mais velhos. Dessa forma, nossa equipe, consciente de seu papel, abre perspectivas para que estas vozes possam ser registradas e que não se percam nos escaninhos do esquecimento.
A memória, que também pode ser vista como propriedade para conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas ou de que ele representa como passadas, como situa LE GOFF (2003, p. 419). Dessa forma, estamos cientes de que, com esta pesquisa, podemos juntar o passado e o presente na medida em que reconhecemos que a história é o registro dos eventos dos quais os homens são seus personagens principais.
Ao olharmos pelo retrovisor da história, embora sabendo que não temos o poder de restaurar todas suas nuances, mas apenas atualizar alguns fragmentos de fatos ocorridos nos últimos carnavais, percebemos que do final do século passado à hodiernidade as escolas de samba, por falta de recursos, têm cedido seus espaços para fazer sambas-enredos para políticos locais e até de outras cidades, sofrendo, por isso, certa descaracterização muito visível e que, de certa forma, partidariza suas atuações enquanto expressão popular que, em tese, deveriam se colocar fora dos liames dessa prática ideológica.
Verifica-se que os acontecimentos, ou as posturas de alguns dirigentes ferem os princípios da ética e queimam etapas de seu próprio desenvolvimento. VEYNE (1998, p.25) define que o campo da história é, pois, inteiramente indeterminado, com uma única exceção: “(...) que tudo o que nele se inclua tenha, realmente, acontecido (...)”. Nossa preocupação é fazer com que os fatos, ainda contidos na memória oral, sejam restauradores da própria história, inclusive abrindo chances para que as lacunas sejam devidamente preenchidas.
Numa cidade com cerca de meio milênio, cuja colonização ocorreu, segundo o escritor LAMEGO (1974, p. 90), a partir de 1536, com a instalação da Vila da Rainha e que tem vultos importantes no avir de sua história, como José do Patrocínio, a heroína Benta Pereira, Saldanha da Gama, Múcio da Paixão, Teixeira de Melo, Teófilo Guimarães e, na contemporaneidade, pessoas de expressão como Silvio Fontoura, Gastão Machado, Hervé Salgado Rodrigues, Joaquim d’Athayde e tantos mais, difícil é imaginar que a falta de criatividade leve os dirigentes das sociedades carnavalescas a optarem por enredos elevando os políticos que, em tese, não têm uma história de vida importante a ponto de ser retratada num desfile de carnaval.
O que pretendemos registrar, ainda, é que a imprensa tem sido omissa diante dos fatos, não tecendo nenhuma opinião crítica e, muito pelo contrário, corroborando as anomalias assumidas por alguns carnavalescos. Pensa-se que isso ocorre porque dois dos principais jornais – Folha da Manhã e O Diário - estão ligados a grupos políticos distintos, e cada um possui uma visão particular sobre o assunto. E o Monitor Campista, por seu turno, também não constrói as vias críticas necessárias em razão de ser o órgão oficial da municipalidade.
O interessante, porém, é se pensar sobre a temática, ainda com VEYNE (op. cit., p. 26), na medida em que as fontes consultadas estão vivas e participantes no processo do desenvolvimento do carnaval, enquanto cultura popular. O escritor interpreta e sabe que “(...) os povos ditos sem história são, simplesmente, povos cuja história se ignora, e que os primitivos têm um passado, como todo mundo (...)”. E podemos reafirmar nosso propósito de não permitir que essas condutas desabonadoras do próprio ritmo da história sejam inseridas no poço escuro da ignorância e que, no futuro, simplesmente, não existam.
Para alcançar os objetivos, tivemos que nos debruçar sobre livros, mergulhar nos documentos das associações carnavalescas, pesquisar em jornais de diferentes épocas, conversar com carnavalescos, dirigentes de escolas, blocos e grupos folclóricos, incluindo compositores de samba-enredo que, na realidade, cumprindo determinações dos chamados históricos, são os que criam as composições. Tivemos que, também, freqüentar as sedes e os lugares onde se reúnem os carnavalescos, como terreiros de ensaios, clubes, salões e, culminando, com o acompanhamento dos desfiles, neste carnaval de 2007, na iluminada avenida 15 de Novembro, espaço hoje considerado inadequado.
Começamos, acreditando nos resultados, com a idéia de que a história vive pela visão ingênua das coisas. Nosso pensamento se pontifica como sendo a do senso comum, porque bem sabemos, com VEYNE (op. cit., p. 174) que a história tem a faculdade de nos confundir porque nos confronta com reações naturais daqueles que não conseguem enxergar e nem perceber as inadequações relativas às singularidades. “(...) o enriquecimento secular do pensamento histórico se fez mediante uma luta contra nossa tendência natural de banalizar o passado (...)”.
O que não é nosso caso. Muito pelo contrário, queremos valorizar o passado pela sua importância com relação à contemporaneidade. Por isso, estudamos o que se pode considerar como deformado com relação ao desenrolar dos acontecimentos.
Segundo PACHECO (2006, p.91), nos ajuda a compreender a trama, quando afirma que “(...) a ideologia hegemônica, dominante e opressora que deveria ser rechaçada radicalmente pelos segmentos oprimidos – permeia suas culturas e consegue neutralizar conflitos e influenciar formas e conteúdos (...)”, como tem acontecido com o carnaval campista. Desse modo, não nos resta outra alternativa senão buscar o que está nas saliências e reentrâncias das práticas do carnaval em sua ludicidade e o que os jornais deixam de comentar por questões visivelmente ideológica.
Assim, podemos compreender que o discurso das classes dominantes não passa de uma ilusão de ótica com intenções claras de mimar o povo com pão e circo (o panni et circus dos romanos) enquanto se lhe configura uma interpretação completamente diferente, pois, segundo BENJAMIN (2001, p. 9), a “(...) na esteira do aparecimento, pela primeira vez sob forma palpável, do invariavelmente-sempre-igual, a novidade do produto adquire uma importância até então inaudita, como estímulo à demanda (...) e é sua projeção, como forma de consciência histórica, que cria no tempo homogêneo e vazio do historicismo, em que os eventos históricos aparecem como artigos produzidos em massa.
Partindo desse pressuposto, compreendemos quando FOULCAULT (1998, p. 252) diz:

(...) vocês podem continuar a explicar a história como sempre o fizeram. Somente, atenção: se observarem com exatidão, despojando os esboços, verificarão que existem mais coisas que devem ser explicadas do que vocês pensavam; existem contornos bizarros que não eram percebidos.

FOULCAULT (op. cit., p.249 ) esclarece, ainda, que “(...) devemos compreender que as coisas não passam de objetivações de práticas determinadas, cujas determinações devem ser expostas à luz (...)”, já que a consciência popular não consegue compreender a intenção que está por detrás do discurso e antes que a prática desse marketing político passe a vigorar como fato-comum e histórico...
Dessa forma, este estudo tem como objetivo fazer com que as questões históricas de nosso município voltem a ser debatidas e que possam ser evidenciadas nos sambas-enredos das escolas, fazendo o povo valorizar os nossos usos e costumes em detrimento da prática que começou a surgir no carnaval campista nos anos 60, segundo registro na memória oral e nas citações feitas por Jorge da Paz Almeida (op.cit. p. s/n), através do cordão carnavalesco “Filhos da Sereia”, do popularíssimo Benedito Caetano e que, depois, adentrou aos interesses ideológicos dos dirigentes das escolas de samba, blocos e bois pintadinhos, procurando, com isso, ampliar suas bases de faturamento.
Esperamos, sinceramente, que as pessoas possam pensar nesse assunto e ficaríamos muito satisfeitos se esse trabalho pudesse promover o retorno cultural às nossas raízes históricas tão ricas e, ao mesmo tempo, esquecidas em detrimento dos enredos feitos apenas para enfatizar pessoas e fatos sem nenhuma projeção social e histórica para tanto.

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