domingo, 27 de janeiro de 2008

06 - DESFILES OFICIAIS

O curioso, no entanto, é imaginar que, até a década de 50, coincidentes com os anos seguintes ao final da 2ª Grande Guerra Mundial, os sucessos do carnaval campista eram as Grandes Sociedades Carnavalescas, representadas pelas classes dominantes, através dos Blocos Tenentes de Plutão, Indianos Goytacaz e os Macarronis.
SOARES (op. cit., p. 103) lembra, recorrendo a Jorge da Paz Almeida, que o carnaval, no seu todo, era regido pela espontaneidade e reunia, no centro da cidade, os corsos, foliões fantasiados, grupos de sujo batendo em latas e recorrendo a sátiras, bois pintadinhos com seus mamulengos e jaguares e grupos de samba vestidos de sainhas. À noite, sem horário determinado, desfilavam pela praça do Santíssimo, Descida da Praça (Avenida 7 de Setembro) e curvando pela 13 de Maio, ranchos, blocos de escudos e cordões carnavalescos, envolvendo a sociedade mais pobre, oriunda da periferia da cidade.
As grandes sociedades encerravam o carnaval na terça-feira gorda. A partir da última fanfarra, a cidade ficava entregue às cinzas, até porque não era permitido entrar pela quarta-feira brincando um carnaval que passou e que ficou na lembrança. A igreja católica (com forte influência na sociedade) impedia que o povo entrasse nas aléias do dia que, pelo calendário Juliano, marca o início da Quaresma.
Onde se encontravam as escolas de samba? Praticamente não existiam, pelo menos com este título. Os próprios blocos desfilavam com famosas marchinhas de carnaval e o samba era, ainda, uma batucada desenvolvida por descendentes negros relegados às periferias. A mais antiga dessas batucadas foi a Companheiros Unidos de Guarus, tendo à frente o Juca Alfaiate, sendo uma das primeiras a se transformar em escola de samba.
ALMEIDA (op. cit., p. s/n) cita que, esta escola de samba, em 1950, inovou em termos de carnaval, apresentando seus desfilantes “com roupas de passeio, as damas com vestido de gala e os cavalheiros com ternos de linho, gravatas a rigor”. Mas existiam outras batucadas transformadas em escolas, como a Unidos da Coroa, do velho Serafim, (escola presidida pelo funcionário municipal e carnavalesco Rodoval Bastos Tavares); a Cruzeiro do Sul, formada pelas “meninas” da rua do Vieira (antigo prostíbulo da cidade), dirigida pelo sambista Oswaldo de Oliveira Trota que, curiosamente, era o delegado de polícia da cidade.
A Academia de Ritmos Mocidade Louca surge em 1952, a propósito de uma reunião, no bairro do Morrinho, entre Morenito, Hélio Cachacinha, Hélio Almeida (irmão de Jorge), Ailton Sabará, Miguel Litro, Curtinho, Zé Bico Roxo e outros carnavalescos que saiam no Jaguar de “seu” Licurgo. Em dezembro de 1958, surge a União da Esperança, no bairro de Custodópolis. Segundo Jorge, citado por SOARES (op. cit., p.120):

(...) União da Esperança nasceu com o rótulo de escola, fundada em 8 de dezembro de 1958, sob a mangueira da casa de Maria Batista e com a presença de Armando Magalhães, Wanderley, Badinho e Wenceslau Brás. (...) e que as outras duas, (Unidos de Cambaíba e Unidos Farra), iniciaram justamente a disputar com a Mocidade Louca (...)

A história de Jorge Chinês não segue um método e nem uma cronologia, sendo fruta de sua memória. Às escolas de samba citadas (Mocidade Louca, União da Esperança, Unidos da Coroa e Amigos da Farra) podemos incluir, como participantes dos desfiles não oficiais do final dos anos 50 e início da década de 60, as Madureira do Turfe, Sorriso do Norte, Independentes do Parque São José, dirigidas pelo mestre Anésio Miguel.
Uma coisa, no entanto, é certa. Inspirado no exemplo inovador dos Companheiros Unidos de Guarus, Jorge da Paz Almeida compõe o primeiro samba-enredo de escola de samba em Campos dos Goytacazes. Trata-se de uma homenagem ao trabalhador. Foi quando a Mocidade Louca ganhou sucesso. O samba é de 1961, cuja letra, começando por um estrondoso lá lara, imitando uma corneta, diz o seguinte.

Alvorada no meio de gente bamba
O regimento do samba chegou
Ao povo eis a minha homenagem
Este meu samba dedico ao trabalhador
Em uma mensagem de paz e amor
Fazendo máquinas, abrindo estradas,
Arando a terra para plantar cereais,
Transportando, edificando,
Lutando sempre na guerra e na paz
Por isso eu te saúdo
Ao reconhecer o seu valor
Nesta mensagem de paz e amor.

Em 1962, por exemplo SOARES (op. cit., p.124) não existia, ainda, uma passarela para os desfiles. Naquele ano, a prefeitura armou um pequeno palanque para as autoridades defronte à prefeitura velha e por ali desfilaram as sociedades carnavalescas, já com uma comissão julgadora encarregada de indicar as melhores. No pé da mesma página, o autor lembra que a Mocidade foi a campeã com o enredo “Baile na Corte”, cujo samba-enredo era do próprio Jorge da Paz Almeida. Ele cita:

(...) desfilaram na Mocidade o jornalista Fernando José Gomes e sua esposa Tércia Gomes, além dos artistas Iolanda e Francisco Ferreira Vale, todos ligados ao Teatro Regional de Comédias, um dos melhores daquela década. Defronte ao palanque, a escola fez a representação simbólica do baile e, junto à bateria, tinha até violino, importante na execução de um pequeno trecho de “A Viúva Alegre” (...)

Nos anos que se seguiram, nos quais a Mocidade ganhou sete vezes seguidas, somente sendo superada pela Unidos de Cambaíba, com o enredo “Zumbi dos Palmares”, em 1966, Jorge continuava a brilhar como compositor e, um ano antes do enredo “Baile da Corte”, entrava na praça do Santíssimo com um samba-enredo contendo uma reivindicação ao prefeito José Alves da Azevedo.
O estribilho era assim: “Numa audiência ao prefeito / Eu vou pedir um palanque na praça / Para o povo se divertir / Se eu for atendido / Cantarei em alta voz / Democracia abre as asas sobre nós (...)”.
Aliás, a Cambaíba, em 1967, voltou a ganhar com o enredo “Epopéia da Luz Elétrica”, contando com o apoio dos proprietários da usina, tendo à frente o seu presidente Heli Ribeiro Gomes. Jorge lembra este grande destaque: “(...) A apresentação foi um negócio de louco. O enredo focalizava a primeira cidade da América do Sul a possuir luz elétrica: mostrando postes, a visita do imperador, tudo em alegorias muito bem feitas, mostrando a inteligência dos realizadores e a perícia e o bom gosto dos executores (...)”.
De forma estranha e incompreensível, depois de duas vitórias, a Cambaíba nunca mais foi à avenida. Da mesma forma que surgiu, desapareceu sem deixar vestígios. Apenas alguns registros nos jornais da época.
Com raríssimas (e felizes) exceções, o samba campista exaltava a cultura e a história brasileiras, com seus compositores exercitando belíssimos poemas, devidamente musicados pelos sambistas de escol. Dentre as exceções, Jorge lembra um marketing comercial feito pelo compositor do Cordão Temor do Norte, enaltecendo uma marca de cachaça. A letra é assim: “Pedro Lomeu Charles / dá-me um cálice / Da mais gostosa que é / Na hora do almoço / Aguardente é Santa-fé / É Santa-fé / É Santa-fé”.
Depois lembra de grandes compositores, como ele próprio, Lorde Tomatão, Rubens Pereira, Elier Cruz, João Cruz, Geraldo Gamboa, Milton Nascimento (Neguinho da União da Esperança), Climaco Viana, Climeraldo Viana, Manoel Tancredo, Claudinho da Hora, Wellington Nunes, Carlinhos Gafieira, Dagval Tavares de Brito, Dalvino Costa, Grácio Abreu, Almir Pé Verde, Toninho Chita, Bambu, Silvio Feydit...
Cita, como exemplo, da boa poesia e dos melhores sambas (cf. anexos), o de autoria de Fernando Leite Fernandes e João Damásio pode nos dar uma idéia da qualidade:

Eu vou brilhar
Feito estrela (eu vou brilhar...)
Oh! Minha doce liberdade
Numa explosão de felicidade
Ô, ô, Iaiá...
Os Psicodélicos vão penetrar
No espelho e refletir a imaginação

Com o coração a palpitar
O povo canta em harmonia
Enaltecendo as orgias
E as imensas festas bacanais
Trazendo oferendas a Baco
Enche de luz a avenida
Hoje a arte da vida
Vai ser dividida
Em sete festas colossais.

E relembrando as saturnais
Mulheres de belezas nuas
Que bailavam sob a lua
Num colorido estrelado de uma noite
O tempo não é de açoite
É de frenesi e carnaval

O rei mandou comemorar
Com água e vinho eu vou brindar
O sol ilumina o meu saber
Em cores e brilho o meu viver.

Diferente, obviamente, dos sambas atuais, em que os políticos são homenageados com letras ridículas e mal feitas e ostentando sambas feitos para o consumo e não para fazer história. Para se ter uma idéia, nos anexos estão inseridos os mais belos sambas-enredos do carnaval campista. Logo a seguir, para que os leitores possam construir dados comparativos, Inserimos alguns sambas que infestaram/infestam o carnaval campista, praticamente a partir de 1986, sendo que o recorde de homenagens feitas pelas sociedades carnavalescas pertence ao ex-governador Anthony Garotinho que, quando radialista, chegou a assinar a poesia de alguns sambas, de parceria com o compositor Gordiano da Penha.

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